segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

ARTIGO - A Fragilidade das Instituições II


A FRAGILIDADE
DAS INSTITUIÇÕES II
Rui Martinho Rodrigues*


As instituições, aparentemente, estão preservadas. Quando, porém, surge um problema, deixamos de olhar para o ordenamento jurídico, e para o Legislativo ou o Judiciário como instituições. Passamos a pensar nas pessoas. Quem é o relator da Lava Jato? Não vivemos o governo das leis, mas dos homens, contrariando a velha e boa compreensão de democracia.

Transformações históricas profundas enfatizaram o aspecto evolutivo do Direito. Interpretação evolutiva, interpretação conforme, nova hermenêutica constitucional, foram amparadas por uma Constituição analítica, dirigente, programática, que positivou princípios de contornos indeterminados, alargando o discricionarismo – e, ipso facto – o subjetivismo da autoridade.

A evolução do Direito é necessária, mas é tarefa do Legislativo.

Os princípios gerais do Direito foram positivados na CR/88. Isso os deslocou da integração do Direito, reservada à função supletiva das lacunas da lei, para a primeira linha do processo decisório. Passamos a depender do entendimento pessoal da autoridade relativamente ao justo, razoável, proporcional ou à dignidade humana, desde que fundamente a decisão. Lembremo-nos de que os aludidos conceitos indeterminados já são a “fundamentação”, que, sem muito pudor, pode “fundamentar” tudo.

O Macunaíma esqueceu que existem leis escritas; limite para a duração dos mandatos políticos e para a reeleição; reserva legal nos campos tributário e penal; exigência de publicidade dos atos administrativos e processuais; órgãos de controle como o TCU, tudo isso porque a democracia é o regime da desconfiança relativamente às autoridades.

Desconfiamos do Legislativo. Mas confiamos no Judiciário? Não podemos dividir a sociedade em agrupamentos corporativos diferenciados pela suposta virtude de uns e demérito de outros. Todas as nossas corporações recrutam os seus membros na mesma sociedade macunaímica. Todas elas abrigam em seus quadros pessoas com os mais diferentes caracteres.

As transformações culturais, ensejando o fortalecimento do argumento da necessidade da transformação do Direito, levaram ao entendimento de que se o Congresso não inova a legislação, então o STF deve atuar supletivamente como órgão legislativo, para suprir as omissões do Parlamento. 

Ledo Engano. Quando os representantes do povo e dos estados, na Câmara e no Senado respectivamente, se negam a introduzir uma inovação, eles estão vetando tacitamente a proposta, porque sabem que os eleitores não querem a inovação. É assim que deve ser.

Os aspirantes ao posto de reis filósofos, como na República de Platão, desprezam o povo, que julgam alienado, ignorante e preconceituoso, por isso querem substituir o Parlamento, arvorando-se em legisladores sem voto.

Não esqueçamos, porém, que no campo dos juízos de valor a condição de letrado ou iletrado não faz diferença. Esquecem-se, ainda, que Platão arrependeu-se da República, cujos erros procurou corrigir na obra da maturidade chamada “As leis”.



COMENTÁRIO:

Artigos do Prof. Rui Martinho Rodrigues são muito bem fundamentados, tendo em vista que, profundamente conhecedor da História Universal, para formular as suas análises ele invoca a sabedoria acumulada pela sociedade humana ao longo do tempo, coligida da obra teórica dos grandes pensadores, bem como do exemplo prático dos maiores eventos que a humanidade atravessou.

Mas o historicismo tem lá suas armadilhas, como no exemplo do pensamento de Platão, que a princípio defendeu que a república deveria ser liderada por uma casta de notáveis, que ele chama de “reis filósofos”, mas depois apostatou dessa doutrina para passar a defender o império absoluto das leis – dura lex sed lex.  

Rui acredita que dessa forma o sábio grego evoluiu em seu pensamento. Acha que “no campo dos juízos de valor a condição de letrado ou iletrado não faz a mínima diferença”. Então, por esse entendimento, quaisquer boçais estariam aptos a fazer leis, que os broncos e os esclarecidos teriam que seguir de maneira cega.  

Porém, essa assertiva transporta uma contradição descomunal. Acaso o filósofo Platão era um “iletrado”?; acaso o sábio Rui Martinho Rodrigues seria ele mesmo um “iletrado”?. Não. Poderiam fazer os juízos que fazem se fossem incultos e primários? Não. Então se pergunta: Não estariam as nobres garças do lago reclamando de discriminação injusta contra os reles sapos do banhado?

Pessoalmente, acho que a erudição, por si só, não credencia ninguém, mas que deveria ser pré-requisito para se atuar nas funções públicas, examinadas pelo povo outras características de caráter – e mesmo os sapos sabem reconhecer as garças. Sem noção das ciências e sem conhecimento da história o indivíduo tende a repetir os velhos erros. 

Então, produzidas as leis, elas fossem entendidas como um fanal a seguir, a serem cumpridas com rigor... e razoabilidade. As leis cristalizam a intenção do legislador, mas não podem prever todas as situações concretas que terão que regular, sob pena de pontualmente se tornarem injustas. Não fosse assim, os computadores substituiriam os magistrados.

Aliás, penso que o grande problema brasileiro de hoje é este exatamente: muitos dos nossos homens públicos atuais são apedeutas, brucutus, analfabetos funcionais. Diversos deles mal formados por uma rede de ensino e um currículo fraquíssimos, outros nem isso. 

Dos vinte por cento sobrantes, a metade está no Judiciário e no Ministério Público, em que se ingressa por concursos severíssimos. Mas não necessariamente nos tribunais, que são formados por critérios políticos de apadrinhamento e compadrio.   

Reginaldo Vasconcelos

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