quinta-feira, 16 de junho de 2022

ARTIGO - Legitimados Para Auditoria (DP)

 Legitimados para auditoria
no sistema eletrônico
de votação
Djalma Pinto*

 

Há uma tensão entre os Poderes da República relacionada com a votação eletrônica e a contagem dos votos. Constata-se, porém, um ponto em comum na divergência entre eles: todos defendem eleições transparentes, justas e limpas. 

Uma retrospectiva histórica muito contribuirá para o restabelecimento da harmonia entre os Poderes exigida pela Constituição. O TSE, sob a presidência do Ministro Carlos Mário Velloso, na década de 90, constituiu uma “Comissão de Notáveis” para idealizar um projeto, a ser executado por grupo de técnicos altamente qualificados, para a construção de urna eletrônica tipicamente brasileira. O passo a passo para a produção desse equipamento está assim relatado no site do Tribunal Superior Eleitoral:


“Assim, com base em premissas determinadas pelo grupo de notáveis, foi designado um grupo técnico para desenvolver o projeto básico da urna eletrônica. Para tanto, foram chamados três engenheiros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um do Exército, um da Aeronáutica (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial – DCTA), um da Marinha e um do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD).

 

“A comissão técnica começou do zero, foi trabalhando e construindo e fez o protótipo da urna. Quando a comissão trabalhava, fui visitado por representantes de empresas estrangeiras oferecendo urnas para nós. Eu dizia: não, vamos fazer uma urna tupiniquim, simples e barata. E assim conseguimos”, afirma o ministro Velloso. (https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2014/Junho/conheca-a-historia-da-urna-eletronica-brasileira-que-completa-18-anos, consultado em 13/06/2022). 

O fato é que, em 1995, o espírito de cooperação entre a Justiça Eleitoral e as Forças Armadas, sem qualquer conotação de intervenção, culminou na execução do projeto que resultou na criação da urna eletrônica, utilizada pela primeira vez nas eleições de 1996. 

Em 2022, 27 anos depois, na condição de Presidente do TSE, o Ministro Fachin externou seu propósito de estabelecer o diálogo para a preservação da paz entre os Poderes da República:


  “Vamos atuar de maneira preventiva para que não haja incitação a um ambiente beligerante na sociedade, e onde houver, temos que levar diálogo e bandeira da paz. Não há outro caminho fora da democracia, que é um canteiro de obras que tem sons altos, ruídos.

 

(https://www.folhape.com.br/politica/fachin-diz-que-tse-nao-vai-aceitar-intervencao-das-forcas-armadas. Consulta em 13/06/2022). 

Por sua vez, o Ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, enviou ofício ao Presidente do TSE, ressaltando a necessidade de aprimoramento da fiscalização da eleição eletrônica por meio de especialistas em segurança cibernética:

 

“A todos nós não interessa concluir o pleito eleitoral sob a sombra da desconfiança dos eleitores. Eleições transparentes são questões de soberania nacional e de respeito aos eleitores”. 

               [...]


“Destaca-se que, por se tratar de uma eleição eletrônica, os meios de fiscalização devem se atualizar continuamente, exigindo pessoal especializado em segurança cibernética e de dados. Não basta, portanto, a participação de “observadores visuais”, nacionais e estrangeiros, do processo eleitoral”.

 

(https://www.cnnbrasil.com.br/politica/nao-nos-interessa-concluir-eleicao-sob-desconfianca-diz-ministerio-da-defesa-a-fachin, consulta em 13/06/2022). 

Na interpretação e aplicação da legislação eleitoral é preciso ter presente a visão republicana e democrática, sugerida por Peter Häberle, que exige respeito à opinião pública e aos grupos de expressão na sociedade. Adverte esse grande constitucionalista:

No processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição”. (A sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. S.A. Fabris. Porto Alegre: 1997, p. 13). 

Nessa linha, em sintonia com a expectativa da sociedade, que exige absoluta transparência e lisura em todas as etapas do processo eleitoral, o Projeto do Novo Código Eleitoral, já aprovado pela Câmara e aguardando manifestação do Senado, além de garantir a participação da cidadania e de grupos na fiscalização, consagra, no seu art. 2º, VII, o princípio da  auditabilidade dos sistemas e métodos de votação. 

O seu art.342, por sua vez, relaciona 17 entidades com direito de fiscalização e de auditoria “contínua e perene” nos códigos-fonte, softwares e nos sistemas eletrônicos de biometria, de votação, de apuração e totalização dos votos. Entre essas instituições, destacam-se: os partidos políticos, as Forças Armadas, o TCU, a OAB, a CGU, o STF, o Congresso Nacional, a Sociedade Brasileira de Computação, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, entre outras. 

Portanto, a legitimidade reconhecida às Forças Armadas, na década de 90, para viabilização do projeto de criação da urna eletrônica, deve ser preservada para que, em clima de cooperação com o TSE, juntamente com outras entidades tecnicamente qualificadas, assegurem à sociedade a transparência e a lisura no certame eleitoral.

É importante reconhecer que tanto a lisura como a transparência nas eleições são requisitos, não apenas exaltados, mas cuja integral observância é exigida por magistrados, agentes políticos e por todos os cidadãos. 

Eventuais divergências efêmeras podem, assim, ser facilmente superadas para que a Nação chegue ao dia 2 de outubro em paz para celebrar a grande festa cívica, na qual o povo escolhe os seus representantes, delegando-lhes poderes para, em seu nome, conduzir o destino da Nação.

               

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