O PAÍS DO CRIME
Rui Martinho Rodrigues*
Aproximadamente sessenta mil vidas são ceifadas a cada ano. Tivemos
82.684 desaparecidos em 2017. A existência de numerosas crianças entre estes, é
sugestiva de assassinatos, por ser menos frequente o abandono do lar nesta
idade. O crime domina. Impõe a sua lei. Despeja famílias de suas casas.
Requisita mocinhas para serviços sexuais. Comanda presídios e os
transforma em centro de comando das atividades ilícitas e de recrutamento de
novos “soldados” das facções. Bandidos “elegantes” compram decisões políticas;
corrompem licitações; desviam verbas públicas de suas finalidades.
O crime é discutido sob os mais diversos aspectos: desigualdade e
pobreza; justificação do crime por ideólogos; impunidade; violência polícial;
perda de autoridade dos pais, professores e clérigos; discussões jurídicas
sobre garantismo, consequencialismo, Direito Penal do inimigo, fundamentos da
punição, princípio da legalidade e eficácia do Direito Penal, teoria da
imputação relacionada com a maioridade.

As teorias da funcionalidade da norma penal, tanto de Jakobs como
de Claus Roxin (1931 – vivo), seu antípoda, pensam o Direito Penal como
dirigido para uma sociedade, em um dado momento histórico, considerando-a como
ela é, não como deveria ser. Não significa que necessariamente sigam o
normativismo de Hans Kelsen (1881 – 1973). Apenas reconhecem que o dever ser do
Direito não é um um comando originário apenas da lei, mas o reflexo dos valores
da sociedade reconhecidos pelo legislador.
Reconhecer o Direito como formado por fato, valor e norma (Miguel
Reale, 1910 – 2006), é admitir que os fatos e valores estão na sociedade antes
da norma jurídica. Os aspectos diacrônicos, as transformações sociais, são da
esfera política, devendo integrar as cogitações do legislador, integrando o
Direito no campo da zetética. Émile Durkheim (1858 – 1917) via a organização
social como fundada sobre normas sendo estas amparadas por valores. O jogo do
bicho e as drogas ilícitas são invencíveis em face da repressão pela conformidade
que têm com os valores da sociedade.
A preservação da normatividade social em geral é o único bem
jurídico tutelado pela norma penal. A sociabilidade é assim assegurada. Tal
ideia se harmoniza com o pensamento de Maximilian Karl Emil Weber (1864 – 1920),
para quem organização é dominação, cabendo ao pesquisador distinguir o grau de legitimidade
do poder. A norma penal é desacreditada pela impunidade.
O garantismo deve ser defendido como observância do devido processo
legal. Este, porém, não deve inviabilizar a persecução penal. Quatro instâncias
recursais, cada uma com inúmeras possibilidades de recursos procrastinatórios,
promovem a impunidade e a ideia de que o crime compensa. O processo judicial deve
ter decisão (Tércio Sampaio Ferraz Júnior, 1941 – vivo) e, acresce-se, deve ter
consequência.
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