terça-feira, 9 de janeiro de 2018

ARTIGO - Teoria do Medalhão (RMR)


TEORIA DO MEDALHÃO
 Rui Martinho Rodrigues*


Joaquim Maria Machado de Assis é um escriba de largos méritos. Uma de suas obras, o conto Teoria do Medalhão, destaca-se pela atualidade. Consiste em um diálogo entre pai e filho.

O rapaz completava vinte e dois anos e conquistara um diploma. O pai o aconselhava enumerando o acervo acumulado pelo jovem e o orientava quanto ao uso dos trunfos amealhados. O bacharelismo faz parte destas orientações.

Nos nossos dias diríamos “credencialismo”, pois a vulgarização do título de bacharel deslocou o fetichismo do diploma para a pós-graduação em sentido estrito. Pós-graduação, hoje, é um trunfo, pelo menos até que se descubra que doutores nem sempre são doutos.

Frequentar livrarias é uma das orientações paternas. Não necessariamente para adquirir e ler livros. Basta conversar acerca de amenidades e não ter opinião. Os discursos devem ser “metafísicos”, nas palavras do autor.

Hoje diríamos que o rapaz deveria limitar-se às generalidades, dizendo coisas como “é preciso discutir democraticamente”, “a solução é política”, “importante é superar a desigualdade”, “construir uma sociedade justa”. Mas nunca diga como fazer para alcançar tais desideratos. Caso solicitem alguma definição mais clara sobre as generalidades, basta responder modestamente: “quem sou eu para dizer como devem ser as coisas. Apenas defendo que devemos discutir democraticamente”.


A princípio pensei, ingenuamente, que tal atitude irritaria as pessoas, as quais se sentiriam ofendidas com a retórica vazia, que insulta a inteligência do interlocutor. 

Ledo engano. A audiência também está cheia de doutores que não passam de medalhões machadianos. As frases vagas levam cada um a supor que o declarante quer dizer o que ele também pensa; enseja aliança com quem igualmente deseja se evadir da clareza; permite a quem não tem propostas ocultar a própria superficialidade sob a camuflagem de frases feitas e vagas. Os conceitos indeterminados, a exemplo de “justiça”, evitam debates. 

Quem é contra a superação da desigualdade, o debate democrático e a sociedade justa? Poucos terão a curiosidade de saber como o orador pretende perseguir tais metas e qual será o significado de justiça e de sociedade justa do medalhão. O verbo discutir é bitransitivo. Discute-se algo com alguém, mas pouco importa.



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