quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

CRÔNICA

LIÇÃO DIVINA
Por Reginaldo Vasconcelos*


O jesuítico Papa Francisco, com franciscanas intenções, no último dia 26 de janeiro, da sacada do Vaticano, pediu orações pela paz à multidão da Praça de São Pedro, a propósito de recente chacina perpetrada pela Máfia contra uma família siciliana.

Ato contínuo, Sua Santidade recorreu ao simbolismo curial de fazer duas crianças que o ladeavam na janela vaticana libertarem pombas brancas, as quais deveriam iniciar um voo olímpico sobre o público, devoto e enlevado.  

Aguda ironia do destino, os dois pássaros foram imediatamente atacados por vorazes predadores que surgiram do nada, uma gaivota e um corvo, o que, dramaticamente, deu sequência e aprofundou a semiótica papal, por um viés inusitado.  
O quadro descrito sugere que o sucessor de Pedro fez um caridoso apelo humano, que Deus quis responder de público com sapientíssimo realismo divino.

A primeira ilação que se pode fazer sobre o episódio é que apelos de paz são inócuos no conflito de interesses, fazendo esplender o brocardo latino si vis pacem, para bellum.

De fato, infelizmente, boas intenções e gestos pios, porquanto evidenciem a existência de uma porção divina no espírito dos homens, não podem elidir o seu lado bruto, realidade que se reflete, também assim, na Natureza.

Os bichos competem entre iguais, e devoram os desiguais,  e é dessa maneira que funciona a biosfera. O homem, que em última análise é o lobo do homem, procura conter a fera íntima por meio das leis e dos preceitos místicos, mas enquanto alguns cultivam flores muitos porfiam por poder.

A segunda lição que o episódio transporta trata dos riscos a que a liberdade expõe a todos. Soltos na natureza os animais precisam lutar para obter alimento para si, e para não se transformar em alimento alheio, enquanto sob a proteção humana têm casa e comida garantidas, proteção, carinho, remédios...

Equinos, caninos e felinos domésticos, e mesmo as espécies que nos servem de alimento, provavelmente estariam extintos hoje sem a proteção do ser humano. Sim, a vida selvagem é dura e cruel – e o homem precisa de limites civilizatórios para conter o seu lado beluíno.

A moral dessa história é a seguinte:

O Papa está no seu papel sacerdotal de orar e pedir orações, mas no mundo dos homens somente a autoridade rigorosa e a disciplina rígida podem coibir as injustiças. 
liberdade plena não é benéfica quando expõe os mais fracos e os solitários aos mais fortes ou mais numerosos – sejam pombos na Natureza, sejam pessoas na sociedade.


*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ


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