SAUDADES DALUCIDEZ
Parte 2
A imunização cognitiva e a guerra de todos contra todos
A incomunicabilidade dos paradigmas, que alguns chamam “imunização cognitiva”, porque o prefácio da obra Estrutura das revoluções científicas, de Thomas Kuhn, fala em “vacina contra a realidade”, tem origem em uma grande pluralidade de fatores. Merece destaque, neste estudo, o problema do significado das palavras. Não por ser o fator mais importante, mas por ser um dos mais esquecidos. A divisão das sociedades em tendências adversárias, mais do que isso, inimigas, não decorre de desentendimentos científicos, embora o nome da ciência seja usado pelas partes em conflito.
O quadro descrito como a guerra de todos contra todos, por Thomas Hobbes (1588 – 1679), na obra O leviatã, ou simplesmente Leviatã, seria o estado de natureza, que teria sido superado pelo Estado político, por meio do pacto social, conforme as discutidas teorias contratualistas. A atual beligerância nas sociedades, ameaçando dividir instituições jurídicas e políticas, amizades e até famílias seria um retorno ao Estado de natureza. Sim, para quem considere que tal Estado seja próprio da essência da convivência humana. Sucede, todavia, que o retorno ao estado de natureza, seria a dissolução do Estado político.
O discurso é uma alvenaria formada por palavras. As correntes políticas têm como objetivo a conquista, manutenção e ampliação do poder. Quem domina a linguagem exerce grande influência sobre as consciências. Ressignificar palavras tem sido parte dos projetos de poder. Os pretensos demiurgos formulam engenharias sociais e antropológicas. Querem criar uma sociedade radicalmente nova, conforme expressamente declarado na obra O mundo não tem mais tempo a perder, coletânea coordenada por Sacha Goldman e prefaciada por Fernando Henrique Cardoso. Ressignificar não basta. É preciso satanizar certos significados.
A dinâmica das línguas tem sido usada como argumento para justificar o trabalho de ressignificação do léxico. É preciso, todavia, diferenciar as transformações espontâneas, decorrentes de circunstâncias históricas e sociais, da transformação planejada e executada com o objetivo de dominação política. A linguagem jurídica não pode ser aberta às metamorfoses criadas pelos mais diversos interesses, distintos da dinâmica espontânea da língua. No campo do Direito a manipulação da semântica agride a segurança jurídica. No campo político e social leva ao domínio das consciências caracterizando o desvirtuamento do processo democrático.
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