quarta-feira, 16 de outubro de 2024

POESIA - Improvável (MJ)

 IMPROVÁVEL
Josefina*
 

Eu nasci improvável
No ventre de minha mãe.
Meu corpo esqueceu de me dar
Um cérebro inteiro!
Eu nasci improvável!
Venci a improbabilidade
De um dia, um mês, um ano,
uma década!
Eu vivi improvável.
 
Em um mundo que não conheci,
Entre pessoas com quem não convivi,
Em um corpo que não foi meu. Improvável!
Improvável comunicação!
Apenas gritos que minha garganta emitiu.
Sinais que meus olhos falavam,
Boca que só recebeu, nunca falou!
Improvável velhice.
 
Estou velha, meu corpo sabe. Todos sabem, eu sei, não tenho mais lugar. Improvável morte.
Morte desejada, morte adiada, morte que não morre.
 
Vou morrer improvável???

 

Para Dinda!
Que a receba na sua paz.
Fortaleza,16/08/21.


CRÔNICA - O Amigo, o Poeta e a Saudade (RMR)

O AMIGO,
O POETA E A SAUDADE
Rui Martinho Rodrigues*

 

Somos como a pragana, espécie de barba de espigas de existência fugaz, nos ensina o livro de Jó. Cronos, devorador implacável, destrói quase tudo. Mas Mnemosine disponibiliza a memória, para que o Titã destruidor, que reina sobre o tempo e nos tira tantas coisas, não nos deixe apenas a ausência.

 

A perecibilidade da nossa existência é compensada pelo legado deixado pelos amigos que partem. Paulo Coelho Ximenes, um amigo, um técnico e um bardo de largos méritos, nos deixa a memória de um homem afável, ético, cujo bom gosto musical e a produção poética nos consolam. 

Engenheiro agrônomo, tendo como habitat natural a área técnica, tinha sensibilidade artística. Sabia expressar com grande beleza na forma, capturando a essência feita de emoções e significados que, embora difíceis de traduzir em palavras, se tornavam fáceis de compreender quando saiam da sua pena.

 

O sínolo, constituído por forma e essência, era uma poesia bela e portadora de sabedoria, que, como a ética, não é proporcionada pelo conhecimento. É a esfera da afetividade o arrimo da aptidão para o bom uso do domínio cognitivo da realidade. A lhaneza e o dom da compreensão e de expressar sentimentos, presentes no já saudoso amigo Paulo Ximenes, não eram produtos dos saberes técnicos de engenheiro agrônomo. 

Nem somente da sensibilidade artística. A sabedoria, entendida como capacidade de fazer bom uso do conhecimento, discernimento para entender e inspiração para traduzir em palavras coisas indizíveis revelam que o poeta tem bom caráter. Assim era o amigo, o intérprete de emoções e sentimentos, deixando saudades e um baú de versos que sintetizam amor, lembranças e valores. 


Amigos se alegram e choram juntos. Os amigos da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, neste momento, fazem ouvir o pranto da citada casa de letras. Agremiação em que a amizade é um forte liame entre os confrades que tantas vezes riem juntos, pranteia Paulo Coelho Ximenes, consolada pelos versos que ele nos deixou e pela memória de seu companheirismo.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

POEMA - Largo da Poesia (SQC)

 Largo da Poesia
Sávio Queiroz Costa*


No largo da poesia, os ventos sussurram,
Palavras que dançam no ritmo da brisa.
Cada esquina guarda versos que murmuram,
Segredos antigos que o tempo eterniza.


Ali, os poetas encontram abrigo,
Nas sombras das árvores, sob o céu aberto.
Entre flores e sonhos, construo contigo
Um universo onde o amor é o certo.


No largo da poesia, te espero a sorrir,
Com versos no bolso e a alma a fluir.
Somos dois viajantes, sem pressa de ir,
Num mundo onde o sentir é o único existir.
 
 
* Dedicado ao amigo Paulo Ximenes


sábado, 5 de outubro de 2024

ARTIGO - As Nossas Abluções Recivilizatórias (PE)

 AS NOSSAS ABLUÇÕES
RECIVILIZATÓRIAS
Paulo Elpídio*


Houaxia é um conceito usado na China para designar “Civilização”, como propósito de definir e fixar os “povos das estepes” aos quais os chineses negavam o reconhecimento de sociedades organizadas. Eram os “não-chineses”, destituídos dos atributos que lhe são próprios. 

Os gregos designavam, por sua vez, de “bárbaros” os grupos sociais primitivos constituídos de “não-gregos”. 

Há no conceito “civilizado” um conjunto de atributos que refletem o grau civilizacional superior em que se encontra um povo em relação aos seus vizinhos ou com referência aos que não compartilham das mesmas origens, dos mesmos valores, do avanço dos seus conhecimentos, de uma história e da memória subjacente, em comum, de instituições e padrões de organização e de dogmas de fé que lhes conferem uma certa identidade compartilhada. 

Trata-se, no fundo, de um conceito discriminatório utilizado para afirmar a superioridade de um país e do seu povo em relação a outras nações.  

Uma ilustre personalidade deu-se conta, mercê de graves reflexões, de que ao Brasil impõe-se um mergulho batismal em um penitente “processo recivilizatório”. Sua Excelência não brande o nosso descuido em nosso favor. Antes, bem ao contrário, aponta para o primitivismo da sociedade em que nos organizamos, carentes do essencial de uma desejável conquista civilizatória. 

Provavelmente, o ínclito magistrado contrapõe as conquistas e os avanços alcançados por outros países à indigência de uma sociedade primitiva de terceiro plano. 

Até agora, entretanto, para angústia nossa, o ministro não deu mostras tranquilizadoras de onde encontrar o modelo que deveríamos usar. 

Em um Mundo bipolar, cujas diferenças se acentuam e aprofundam celeremente, nada mais sobra como modelo do que as ideologias que correm em paralelo e irão nos jogar à esquerda, ou à direita, alternativas singulares, imposições incontornáveis para ingressarmos em um estágio civilizacional aceitável aos olhos do ilustre filósofo-constitucionalista. 

As potências mais aguerridas de ideias e dotadas de “belligerantium animus” trazem para si as virtudes que a civilização lhes confere. As demais, devem contentar-se com as sobras da “barbárie” que lhes cabe por justa injunção. 

Neste lugar de solertes conjecturas, falávamos do Brasil e sobre ele, se estão lembrados, a propósito da receita de uma reinserção civilizatória a que nos deveríamos resignar, sem delongas.  Uma espécie de expurgo de entidades malvistas e indesejáveis, cerimônia de descarrego das nossas idiossincrasias ancestrais. 

Pois aí está, que não nos faltem coragem, esperança e fé para que essas abluções bem lembradas pelos Ministro nos abram os caminhos da Houaxia e nos deem força para alcançarmos este bravo mundo novo, em boa hora, a salvo da barbárie que nos ronda, “ad hunc modo”.