quinta-feira, 30 de outubro de 2025

RESENHA LITERÁRIA - Caligrafia Esmerada e Exposição Didática Primorosa (VM)

 Caligrafia Esmerada e Exposição Didática Primorosa

[Acerca de Sem Vontade de Voltar para Casa, de Gilda Freitas]

 Vianney Mesquita*



Os escritores superficiais, como as toupeiras, julgam frequentemente ser profundos, quando, no entanto, estão demasiado perto da superfície.

 

[Guilherme Shenstone, poeta. Halesowen – UK – 18 de novembro de 1714 – 11 de fevereiro de 176]



 

Em lance recente, ensaiei a dita de deparar a leitura de uma composição postulante a batismo, no Jordão editorial brasileiro, bem distinta, sob a óptica estrutural e no concernente ao jeito privativo de a esmerada escritora Gilda Freitas manifestar inspirações e enunciar desígnios.

Mencionada pretensão, depois de lapso breve, se configurou efetiva realidade, por via da certificação editorial do volume, quando remansa editada a obra, sob minha interpretação ligeira e, neste corredor, a modo de antecomeço, submissa às considerações ora aduzidas. 

Conquanto não me arvore de exegeta neste mister, representa ufania tamanha deitar uma conjunção de glosas, malgrado limitadas em consequência da míngua de conjuntura e espaço, acerca do bem originado do talento de uma demandista de alento, pouco habitual no concerto das produções coestaduanas, na senda dos variados móbeis entremeados nas seis artes ensaiadas, aqui disposto no âmbito da Literatura. 

Contabilizo na coluna do crédito, todavia, a conceição de que aludidas opiniões, quiçá por haverem negado luz à minha inábil lanterna, se achem até meio apartadas dos pontos imaginados onde estão circunscritas as preciosas ideias da autora, magnificamente exprimidas sob a umbela dinda e protetora da Língua Portuguesa. 

Procedo, contudo, à manifestação de um vexame configurado neste instante assaz crítico e desagradável pelo qual desliza o idioma camoniano, o qual não é recebido com a obrigatória deferência, muito menos dotado da justa e essencial atenção no concernente à sujeição às regras operadas pelos especialistas dos nove países lusofônicos, em particular Brasil e Portugal. 

Tal sucede, aquando, infelizmente, no curso desta quadra de travessia conturbada – seja isto reiterado – não se consagra ao mencionado sistema linguageiro de procedência latina a indispensável veneração, não sendo a esta codificação votado, sequer, o exigido respeito, sobrando encostado a uma circunstância de desarrimo, abeirando-se à desonradez e acostando-se a um malogro perto de se consumar, porém, que não vai de modo algum acontecer...! 

Na estação ora transitada, no Brasil, pelo Código Glossológico Lusitano, abraçado com determinação e rigor, desde instantes imemoriais, pelos escritores de alteado padrão, bem assim por parte de seus lentes, preceptores e adeptos – onde se entranha com propriedade a escritora sob comento – conforma-se real estado de descaso, conducente ao verossímil padecimento de quem o admira e obedece. 

Registra-se, então, a oportunidade na qual certas pessoas lhe desprezam os ditames, desobedecem ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – o VOLP oficial, castigando e abandonando palavras e expressões vigorantes, assentes em razões linguísticas e históricas, no mesmo passo em que inventam outras sob incontáveis sem-razões, criticam os cânones e notações obrigatórios e investem numa má sorte infinda de procederes amplamente aversos às determinações corretas e oficiais. 

Distante aqui de não reconhecer sua positividade e lhe aceitar a alçada capacidade de acerto, lógica conferida pela realidade certificada pelo conhecimento parcialmente ordenado (a Ciência ao modo de Herbert Spencer), impende-me evidenciar, por oportuna e forçosa a conjunção, a magna e refalsada potência global da I.A. – inteligência artificial – ao juízo da maioria, como motriz a transportar respostas a quaisquer indagações e oferecer soluções para resolver enigmas de todos os gêneros, algo bem remoto de acontecer. 

Este engano é um artifício desonesto da banda de parcela dos comportamentos antrópicos, ao menos por enquanto, e nele somente se insertam algumas universidades, instituições de investigação e terrenos de prova, nomeadamente em teses de doutoramento, dissertações de mestrado e tarefas acadêmicas no estalão lato sensu, enjeitando, mesmo repudiando, a vigilância e a solicitude relativas às revelações da instrução nova, arrimada no conceito do saber natural. 

De efeito, “pseudoautores” e refalsados orientadores de agora largam as tarefas demandantes de conhecimento ao reboque da inteligência artificial, repelindo o incremento e a propagação do tino natural, acreditando, despropositadamente, no fato de “mente, “alma e “espírito desse formato de intelecção serem adequados ao transporte do entendimento renovado ao máximo de sua valoração, ao desfigurar por completo os saberes ingênitos procedentes das concepções hominídeas, conformados no entendimento racional.

Inumeráveis cabeçadas, ainda, são, para complemento destas notas, passíveis de ser trazidas a cotejo, porém não as comento, pois, decerto, iriam encompridar excessivamente a reflexão e, quem sabe, os consultantes a enjeitariam, eliminando a intenção, restando-me na expectativa de esta proceder, mesmo assim, sem disto guardar a certeza. 

Cumpre, todavia, celebrar esta verdadeira graça, configurada no caso de terem curso, insistentemente, produções e atitudes da agricultura de escritores e outros advogados da espécie avessos às posições há pouco desaprovadas, os quais exaltam os excepcionais haveres da Língua Nacional e logram salvá-la do descaso, imoderação e incongruências tão fora de propósito, mas em crescente espantoso. 

Na lista de combatentes pela grandeza, perfeição e continuidade de usança salutar da LP (bem sobrevinda é arte maior), salvante professores, gramáticos, imortais de sodalícios de literatura, língua lusitana, jornalismo e assemelhados, ajustam-se os inventariantes de volumes literários no âmbito de seus diversos expedientes, escriturando-se romances, poesias, contos, ensaios e outros esquadrinhamentos acadêmicos lato e stricto sensu, tratados e demais modalidades de enredo. 

Aí se insere a magnificamente dotada escritora Gilda Freitas, manufatora deste Sem vontade de voltar para casa, simpaticíssima conjunção de estâncias claras, alvura do cisne artístico a aplicar-se em concomitância a um exequível romance – ou conto, pois constitui narrativa ligeira e concisa – haja vista a mescla inteligente, culta e de estese amena do artefato, requisitos que lhe enroupam genericamente os cabedais, transpostos para seu já amplo e notório portefeuille. Aliás, com a sobeja capacidade intelectual por ela detida na feitura de engenhos escriturais, arbitra-se bem simples que transponha para qualquer molde da literatura o bem sob escólio, ora, por querer seu, no padrão de versos brancos. 

É descabido, no entanto, a fim de não subtrair do acólito ledor a ocasião de decodificar as expressões autorais, projetadas para ele, que eu adiante deduções, as quais, inclusivamente, instigado pelas insinuações, seriam suscetíveis de o conduzir a uma descodificação diametralmente diversa daquela por ele imaginada, ideia amplamente avessa àquilo tencionado pelas ideações de Gilda Freitas. 

Vai-se divisar, ao ser oferecida a peça aos consultantes, o desvelo de Gilda Freitas em relação ao seu exigente acompanhamento do estandarte que a “... brisa do Brasil beija e balança ...”  (Navio Negreiro – Castro Alves) conduzido linhas atrás. 

Tal ocorre porque ela patrocina, resolutamente, a correção linguística e moureja em prol da estilística, ao não repetir vocábulos nem expressões, e ainda rebate o emprego desazado de manias e chavões, os quais borram de vileza lingual o texto, menos em poemas do que noutros motivos literários. 

Impõe-se exprimir o fato de a escritora se desprover do exagero, na oportunidade em que lavra de tal modo, pois existe a licença poética, configurada na autonomia autoral de se afastar das normas da gramática para fins de estesia e expressão, achegando-se, exempli gratia, ao discurso do cotidiano, ocorrência indene de juízo crítico, acobertada pela expressa permissão inspiradora. 

Ela não faz acepção de palavras e dicções e emprega a magnificência do Português porque o consulente, passível de as não conhecer, é alcançado na qualidade de aprendente, obrigado a recepcionar positivamente aquilo exprimido pelo autor, por considerar o escrito literário mensagem produtora de cultura, dádiva de saber, estudo, instrução etc.

Constantemente, se reflete como a seguir. 

– De que adianta ler e escutar meramente o que já se sabe?  

De tal sorte, sob a circunstância crítica confessada em passagem anterior, Gilda Freitas se louva no bom discurso, vasto, fecundo e magisterial, como é apreciável no Sem vontade de voltar para casa, a fim de oferecer uma escrita deste quilate, a enobrecer, pela profusão de ideias vazadas em uma manifestação escorreita, opósita à exageração e recheada de tropos linguísticos magnificamente aplicados, para enricar sempre mais o caixa-forte da apurada reserva literária brasileira. 

Aprecie com detenção, estimado consulente, este desemparelhado produto editorial da exímia produtora literária Gilda Freitas, a qual, sobre se constituir escritora a mancheias, modela, também, uma componente da parede, refletida em passagem anterior, como obstáculo aos posicionamentos de invalidação e apoucamento axiológico do Código Linguístico Português, feita moto paredista. 

Sob o expresso movimento, animoso e resistente, com a maior determinação e segurança, tendo por compartes damas e cidadãos dotados de tanta grandeza, e com produção multíplice, retenho a convicção de que, desde o pódio, o espumante será repetidamente balançado e por todos os vãos esparzido. 

Fortaleza, outubro de 2025.


 

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

CRÔNICA - Uma Batalha Inusitada (MJ)

Uma batalha
inusitada
Maria Josefina*

 

Em uma manhã de início de primavera, após uma noite de chuva e temperatura amena, o sol brilha, e da mangueira, que abriga um condomínio de passarinhos, se ouve uma sinfonia de cantos distintos e harmônicos. 

São dezenas de pássaros vindos de todos os lados, em busca do abrigo na árvore e do alimento fácil que um vizinho do proprietário da mangueira, de nome Leinad, espalha em seu quintal. São farelos de milho e pedaços de frutas que fazem a festa da passarada. 

Diariamente, ao amanhecer e ao entardecer, o quintal se enche destes animados seres, em busca de abastecer a barriguinha. É um momento de deleite assistir, calmamente, a brincadeira de pousar e levantar voo em conjunto, comento e brincando entre si. 

É uma barulheira para quem não conhece a língua passarinhês, cada um com sua entonação e ritmos que se misturam, semelhante ao barulho de um shopping cheio de pessoas conversando. 

É nesse momento que aparece, andando solenemente sobre o muro da casa ao lado, um enorme sagui. Observa todos os lados, para, analisa o ambiente e segue calmamente até uma sacada contígua ao muro. 

De lá observa o quintal, a árvore, como que analisando as possibilidades. Vira-se e grita chamando o restante do bando na língua saguiêz: “Tá limpo. Vamos nessa!”. 

Da casa, no alpendre onde o café é servido, Fina observa o movimento dos saguis. Claro que ela não entende o que falam, mas, mesmo assim, faz sua interpretação dos diálogos. 

Cautelosamente, se aproxima o segundo, depois outro, e outro, um filhote e por fim outros dois, sendo o último um sagui do mesmo porte do primeiro. 

Dá para imaginar a forma de organização destes invasores: o líder, os jovens, o filhote protegido e, por fim, os adultos que garantem a retaguarda. 

Fina grita: “Venham ver! Uma família de sagui!” eram sete, ao todo. Todos da casa saem para ver a cena, e Cila corre para trazer pedaços de bananas e colocá-las sobre a mesa, onde as frutas são dispostas para os passarinhos. Diz ela animadamente: “Aqui, aqui, venham comer!

O sagui líder caminha vagarosamente até o topo do deck e se posiciona dentro da chaminé do forno, chamando, com gritos agudos, os demais.

 

Nesse momento Iram sai correndo e gritando para espantar os saguis: “Não deixe comida para estes pestinhas! Eles são folgados e agressivos. Morro de medo. Se eles se acostumarem, vão invadir a casa”. 

Ela sabe que eles não se limitarão ao quintal, como educadamente se mantêm os passarinhos. Recolhe algumas pedrinhas do quinta e começa a atirar na direção dos saguis, e emitir gritos para espantá-los. 

Rapidamente recolhe os pedaços de bananas colocadas na mesa, o que faz os saguis recuarem.

Eles ficam desnorteados por um instante, mas rapidamente se voltam na direção dos passarinhos, que até então estavam tranquilamente na mangueira. 

Alerta geral. Uma revoada de pássaros, uma correria de saguis na árvore, e se estabelece o campo de batalha. Os saguis tentando pegar os pássaros e estes se organizando para o enfrentamento. 

Rapidamente as rolinhas formam um cerco, sobrevoando em torno dos saguis, como que impedindo possível avanço dos invasores. 

Formaram a linha de defesa enquanto os bem-te-vis subiam e desciam tentando intimidar os saguis, mas sem resultado. Este continuam avançando em busca de caça, no caso, os pássaros. 

Estabelece-se a torcida na casa, todos em favor dos pássaros. Afinal, eles trazem beleza ao amanhecer e ao cair da noite, e já são habitantes de longas datas do espaço. 

De repente os bem-te-vis mudam a estratégia e passam a atacar frontalmente os saguis, exatamente como fazem quando entram em batalha com outros pássaros. Seus voos rasantes e rápidos são semelhantes a um caça em batalha aérea.

Estes movimentos surpreendentes levam os invasores a buscarem abrigo nas partes de baixo dos galhos e fogem para as pontas dos galhos, permitindo seus deslocamentos rápidos para galhos mais seguros. 

O filhote dos saguis foi atacado pelos outros pássaros presentes na batalha, como os João-de-barro, lutando para proteger seus ninhos. Entram na batalha galos capinas, canários, e até um saíra-sete-cores aparece, mais como expectador. 

Os pássaros, com seus piados variados estabelecem uma linguagem que parece ser compreendida por todos, com uma combinação dos movimentos de guerra.

Os saguis invasores, com seus gritos agudos, tentam espantar os inimigos que buscam atingir o filhote, encolhido em um galho mais protegido. 

Este balé bélico durou aproximadamente uns cinco minutos, até o grito do líder dos saguis ser ouvido por sobre a barulheira estabelecida, chamando para a retirada, rumo a uma gravioleira, cujos galhos formavam uma trama bem fechada, protegendo-os do ataque dos pássaros. 

Dalí, se evadiram usando o muro do outro lado da árvore, abandonando o campo de batalha e sumindo nas outras árvores do quintal do vizinho. 

Os bem-te-vis emitiram sons como que anunciando o fim do combate, acompanhado dos demais piados e bater de asas dos pássaros. Vitória sobre os invasores. 

Tudo voltou à normalidade, quando muitos dos pássaros desceram para bicar os farelos de milhos espalhados no quintal, e voando para longe, até o final da tarde, quando voltam para seu jantar diário. 

E assim, foi presenciado por uma plateia vibrante, uma batalha inusitada pela sobrevivência.

 

Praia do Jairy (Olivença-Ba). 28/09/2025


sábado, 11 de outubro de 2025

CRÔNICA - Paixão Lusitana (AV)

 Paixão lusitana
Adriano Vasconcelos* 

 

A conheci na pós-adolescência, lá pelos 17 anos. Era irmã de dois colegas de colégio, embora ela mesma estudasse em outra escola, essa gerida por religiosas dedicadas ao ensino de moças.

Bonita, pele muito alva e ornada com lindos e pequenos olhos escuros, na minha cabeça de jovem não concebia ter vindo do continente africano, onde, em filme, víamos seus naturais, todos da raça negra. 

Mas Moçambique, de onde emigrara com a família, havia sido até então colônia portuguesa, e descobri então o porquê daquele sotaque e daquela brancura.

Apesar de cidadãos portugueses, sua família, ao deixar a ex-colônia, optou por vir para o Brasil, trazendo hábitos africanos e aquele gostoso acento lusitano, que me cativou. Não só a mim, mas a toda rapaziada próxima, sendo ela sempre motivo de desejos e de comentários juvenis. 

Apesar de proximidade com a família, a qual frequentava sob a meia-desculpa de recapitular a lição do dia com seu irmão, nunca ousei revelar minha paixão pela moça de sonho e de neve, que me fazia delirar, com seu jeito meigo, e, principalmente, aquele sotaque d’além-mar. 

Mudei de colégio, de amigos, de paixões. Nunca mais a vi. Após muitos anos, ambos já adultos, nos cruzamos em um shopping de Fortaleza. Como não me reconheceu, chamei-a pelo nome. 

A beleza da juventude se transformara em beleza da meia idade, porém aquele sotaque da imigrante portuguesa se fora, transformando sua voz na de uma conterrânea qualquer, e frustrando minha memória diante da bela mulher, agora sem o diferencial sonoro pelo qual me apaixonei na juventude.


segunda-feira, 22 de setembro de 2025

POESIA - Soneto decassílabo português - Supino Profissional (VM)

SUPINO PROFISSIONAL
Vianney Mesquita* 


A arquitetura é uma música petrificada (Arthur Schopenhauer, filósofo polaco. Gdansk, 22.02.1788; Frankfurt-Meno, Alemanha, 21.09.1860).


(Para o arquiteto Dr. Totonho Laprovítera)


Entusiasta sou dos arquitetos,
Mui bem espertos ao empedrar orquestras
Com mestras cerebrinas – ambidestras –
Canhestras aos malogros de projetos.
Discretos em ideias manidestras,
Maestras do urbanismo cujos vetos,
De fetos avexados, inquietos,
Diretos – e de chofre  defenestras.

Porque adestras espessa partitura,
Se depura e abanca a Arquitetura
Cura de Ciência, Inteligência e Arte.
Comparte, assim, engenhos de Escultura,
Pintura, Dança e Literatura
Em segura excelência estandarte.


sábado, 20 de setembro de 2025

NOTA SOCIAL - Aniversário da 10ª Região Militar

 FESTA DE 83 ANOS DA
REGIÃO SOARES MORENO
ACLJ E SOCER DIZEM PRESENTE

 

A academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ), e a Sociedade Cearense de Cidadania (Socer), neste dia 18 de setembro, fizeram-se representar na solenidade aniversária da Região Soares Moreno. 

É a 10ª Região Militar, que completa 83 anos, sediada no Forte de Nossa Senhora da Assunção, construção secular que marca a gênese da cidade a que empresta o nome, Fortaleza, a nossa Capital do Ceará.

 


O grupo foi convidado pelo General Pinto Sampaio, amigo dessas entidades culturais, que acaba de passar o comando do referido Quartel General ao seu colega, General de Divisão Ivon Barreto Leão (ambos cearenses), o qual recebeu a comissão de intelectuais para o evento.

Nas imagens, o acadêmico da ACLJ, Roberto Bomfim, representando o Presidente Reginaldo Vasconcelos, ladeado pelo General Pinto Sampaio, como também pelo General Barreto, o Comandante anfitrião.

Abaixo, a Professora Doutora Luciara Aragão e Frota, Presidente da Socer, acompanhada de membros da sua associação, Dr. Nonato Soares de Castro, Perpétua Aguiar e Leonardo Henriques.

 


Na segunda imagem, Eugênia Désirée e o ex-combatente da 2ª Grande Guerra, Geraldo Rodrigues, do alto dos seus 103 anos de idade.

Por fim, a Conselheira da Socer, Dra. Maria Salete Castelo Amoreira, filha do ex-governador Plácido Castelo, a primeira Defensora Pública do Ceará, que durante a solenidade recebeu o título “Amigo da 10ª Região Militar”. Na imagem, com o Capitão Capelão Padre Barreto.   

   

  

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

FILOSOFIA - Excerto de Lógica (VCPJ)

 O REBANHO E A LIBERDADE
ESPELHO DA CONDIÇÃO HUMANA
Valdester Cavalcante Pinto Júnior*

 

Todos erram, no entanto ninguém, exceto o ignorante, é passível de perseverar no erro (CÍCERO). 

Entre a Filosofia e a impiedade a indiferença é a mesma que há entre a religião e o fanatismo. (DENIS DIDEROT, escritor, filósofo e enciclopedista francês).

 

Há momentos, frequentemente muitos, em que o ser humano se vê à beira do abismo – entre a vida e a finitude – o que consolida circunstância, muita vez, desesperadora! 

Na mencionada zona crepuscular, com recorrência, sucede aquilo suscetível de se chamar reconfiguração do olhar. Não é que aprendamos algo novo, mas ocorre, por um instante, sermos desnudados da mentira habitudinária com a qual cobrimos a vida.

Nessas experiências-limite, sobretudo quando vividas coletivamente, entrevemos aquilo que há de mais essencial em nós – e existe de mais frágil.

Mencionados eventos, por sua potência transformadora, deveriam nos reconduzir a modalidades mais humanas, solidárias e respeitosas de convivência. Haveriam de, ao menos, deixar um rastro de memória ativa. Tal lembrança, contudo, se dissipa com assustadora rapidez. Retomamos o curso da existência como se nada tivesse ocorrido – e com ainda mais sede de posse, avidez por controle, ânsia pelo poder. Aquilo que deveria ensejar responsabilidade é engolido pela rotina, desfeito por indiferença, desmerecido por via da cegueira. 

O mal, com efeito, não se exprime feito um monstro, porquanto se insinua na normalidade, sob o hábito, na dependência do silêncio. E este é o tempo taciturno, que não representa a mudez fértil da escuta e da contemplação, mas da quietação imposta, cultivada pelo receio de pensar, dizer, o medo de abraçar a divergência. Palavras tornaram-se armadilhas, enquanto o pensamento livre configurou-se, inopinadamente, um risco social. O espaço público foi tomado por slogans, expressões de ordem, fórmulas repetidas que tranquilizam os inseguros e alimentam as tribos da certeza.

As pessoas, neste passo, se organizam em guetos ideológicos, no âmbito dos quais somente o eco do que já pensam é admitido. O diferente é temido, censurado, descartado, precito. O niilismo conforma-se ativo, cursando, então, a recusa do confronto, tendo vez a domesticação da linguagem, ao fortalecer a idolatria da identidade. O espírito crítico — motor agente do humano – é crescentemente havido como ameaça. A pluralidade, antes condição do mundo comum, é, nesse ensejo, vista como falha de caráter.

E assim se forja o inimigo imaginário, isto é, alguém ou algo a ser combatido, um ponto cego a merecer eliminação. A figura do inimigo é funcional, pois legitima o surgimento de certos messias, salvadores que prometem sentido em meio ao caos.

Este salvador de araque, todavia, como já divisamos repetidas vezes na história, está a anos-luz de ser libertador: é o novo rosto da dominação, a outra lata da influência e mais uma cara da autoridade. O rebanho clama por salvação e recebe, em troca, a servidão voluntária. 

Assistimos, então, a uma cegueira cuidadosamente cultivada – barbaria expressa com trajos pretensamente civilizados. Povos são silenciados por ousarem pensar diferentemente. Culturas sobram apagadas sob a justificativa de proteger a ordem. Identidades demarcam-se esmagadas em nome dissimulado da unidade. E estas disposições, medidas prévias desazadas, absolutamente aversas aos propósitos humanos, ocorrem maquinadas com frieza, como se a destruição fosse um ato administrativo, e não um ilícito moral de consideráveis proporções. Eis que a banalidade do mal, em repetida ocasião, cumpre seu expediente. 

A humanidade, talvez, jamais tenha caminhado em linha reta. Seguimos em ciclos – ora de lucidez, e de obscurantismo noutras ocasiões – como marés que nos elevam e afogam. O “eterno retorno” é capaz de ser menos uma metáfora metafísica e mais um retrato da nossa incapacidade de aprender. Retornamos aos mesmos erros, a semelhantes ódios, a iguais violências, apenas com renovados, mas inadequados, discursos e inapropriados rostos.

E o ódio, hoje, tornou-se a língua franca das relações humanas. Substituiu a compaixão, anulou o diálogo, dissolveu as pontes. Amigos tornam-se estranhos; vizinhos se fazem inimigos. A diferença, passível de ser fonte de criação, é convertida em motivo de exclusão. Em nome de um ideal abstrato de pureza – seja étnica, moral ou ideológica – aniquila-se o outro. O diverso, por consequente, é tratado como ameaça, e a pluralidade agora é desvio.

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

CRÔNICA - Tipos Populares (TL)

 TIPOS POPULARES
Totonho Laprovitera*

  

Os tipos populares são fundamentais para o desenvolvimento das cidades, pois ajudam a formar a identidade cultural local e fortalecem os laços entre os habitantes. Eles promovem a coesão social, enriquecendo a vida cultural por meio de suas expressões e servem como uma plataforma de crítica social. Assim, desempenham um papel importante na construção de sociedades saudáveis. 

Na Cultura Ceará Moleque, mantendo a tradição de um povo gaiato, Fortaleza sempre foi cheia de tipos curiosos, daqueles que chamam a atenção. Dos mais antigos, temos alguns exemplos em ordem alfabética: Andarilho das Medalhas, Bembém Garapeiro, Capitão Pirarucu, Casaca de Urubu, Chagas dos Carneiros, De Rancho, Fabrício, Gerviz, Manezinho do Bispo, Mário Monte, Pilombeta, Quintino Cunha, Raimundo Varão, Rei da Voz, Tertuliano, Tostão, Jararaca, Zé Levi e Zé de Sales. Entre as mulheres estão: Chica Pinote, Ferrugem, Iaiá-Tem-Ovos, Micaela, Mimosa, Mucura, Noiva-do-Tempo, Siri e Teodora. 

Dos mais recentes, lembro do Boca Mole, Burra Preta, Capitão Blue, Feijão-Sem-Banha, Figo Gordo, Hélio Banha, Luciano da Praça da Lagoinha, Maria C de Homem, Maria Maranhão, Mário Gomes, Muda, Pedão da Bananada, Primo, Radiopatrulha, Tá na Hora, Tapioca, Toim Coca-Cola, Zé Tatá e tantos outros personagens importantes para a história da cidade, que nunca foram registrados nos compêndios oficiais.

Nos anos 1960 e 1970, essas figuras populares interagiam ativamente com a coletividade de Fortaleza, uma cidade que enfrentava um crescente declínio das desigualdades sociais. Naquele tempo, uma dessas personalidades era o Radiopatrulha, carinhosamente chamado de Radinho. 

O bom Radinho era um homem negro, baixinho e fisicamente robusto, com um peito de pombo e uma notável corcunda. Seu andar era ligeiro, e ele sempre mantinha um sorriso no rosto, distribuindo simpatia ao imitar com perfeição diferentes animais. As crianças pediam: “Radinho, imita um porco”, e ele imitava; “Radinho, imita uma galinha”, e ele imitava; “Radinho, imita a Rádio Patrulha”, e ele ligava a sirene de seus formidáveis recursos vocais. 

Trabalhador e honesto, o bom Radiopatrulha foi acolhido pela família Pinheiro Beltrão. Tornou-se um faz-tudo da casa e, ao envelhecer, passou a ser o vigia da clínica dentária dos irmãos Haroldo e Paulo, com quem trabalhou até o fim de seus dias. 

Por fim, seguramente, os tipos populares promovem a inclusão social ao envolver diferentes camadas da sociedade no combate ao preconceito, contribuindo para o bem-estar de todos nós, viventes.

 

 

COMENTÁRIO:

 

Magistral o tema antropológico abordado por Totonho Laprovitera sobre os tipos populares, os flâners, os “Carlitos” que vagavam pelas cidades brasileiras, e por outras povoações Planeta a fora – notadamente antes da expansão acentuada dos centros urbanos, e do fenômeno mundial dos moradores de rua. 

Com o crescimento das cidades esses elementos excêntricos foram ficando restritos aos seus bairros, salvo aqueles que frequentam pontos centrais, como, em Fortaleza, a Praça do Ferreira, alma mater do intelectual desassisado Mário Gomes e do imenso negro amulherado de alcunha "Burra Preta". 

Este, no advento da AIDS, encontrei na estação rodoviária da cidade, bastante depauperado. Abordei-o, e ele me disse que estava voltando para morrer na sua terra, em Pernambuco. 

Foi-me muito agradável o resgate da memória que me foi propiciado pelo Totonho, em relação ao chamado “Radinho”, de quem me lembro, muito frequente pela Av. Dom Manuel. 

Era um Quasímodo de caixa torácica avantajada, que tinha a habilidade de produzir sons imitatórios – inclusive o da sirene da “radiopatrulha”, que lhe rendia o apelido, e o barulho das grandes “motocicletas” – palavra pela qual, em outros pontos do bairro, as pessoas o chamavam. 

Faltaram, nas citações do Totonho, alguns dos mais antigos e notórios, como o Zé Goela e o Guará, a que meu pai referia, e o Joaquim, sobre quem publiquei uma crônica no jornal Tribuna do Ceará, em 1981, reeditada em um dos meus livros. 

Reginaldo Vasconcelos