COISAS DE
MINHA INFÂNCIA
Pierre Nadie*
Não sou coetâneo de Gonçalves Dias. Sou-lhe conterrâneo. No ventre do Maranhão, uma princesa pariu o sertão. E nesse pedaço de chão, Gonçalves Dias nasceu e eu fui concebido.
E foi para lá que, do Ceará, a seca catapultou minha família. Nasci aí e vivi um pedaço de minha meninice, da qual trago recordações indeléveis de tantos bons tempos.
Hábitos, costumes e crenças guardávamos como tesouro de nossa vivência, e acompanhavam gerações numa estrada que parecia nunca ter encruzilhadas.
Em nossas casas, sentávamos em cadeiras ou tamboretes, as comidas eram feitas em fogareiros ou trempes e os tições ou carvões eram mantidos acesos com o abano. Para o fogo pegar, um pouco de querosene ou maravalha, sobras de raspas de marcenarias e carpintarias.
Facas e martelos eram produzidos por ferreiros, que liquefaziam metais com fornalha alimentada por seus foles. Nossas roupas eram lavadas nas águas do rio e a areia servia para limpar e lustrar copos e talheres. Pratos e vasilhas eram lavados em jiraus. Necessidades fisiológicas eram atendidas em sentinas e, à noite, tínhamos os urinóis perto de nossas redes.
No café da manhã quase nunca havia pães, porém, a farinha de puba nunca faltava e era muito apetitosa. Tínhamos beijus, cuscuz de arroz e, às vezes, de milho.
Não dispúnhamos de garrafa térmica, mas o bule trazia o café quentinho, “pegando fogo”, o suficiente para escaldar a farinha de puba, esgarçando seu sabor agridoce.
Frutas eram colhidas, normalmente, nos quintais vizinhos ou no meio das ruas, ou na beira do rio. Muitas crendices pendiam de nossas mentes pueris: no escuro tem um bicho, uma alma; bolo quente dá dor de barriga, comer e tomar banho estupora; manga com leite faz mal, antes do banho tem-se de esfriar o corpo, comer banana de noite faz mal, etc.
Tantas exortações, na verdade, hoje eu sei que tinham todas uma razão de ser, embora em sua maioria fossem mitos. Ou resguardavam de acidentes, ou disciplinavam a vontade, ou “protegiam” os acepipes de tamanho apetite infantil e diversos outros “ou”.
O medo e o cuidado eram vividos como medo e
cuidado, nunca como trauma. E, algumas vezes, conseguíamos driblar algumas
recomendações movidas por receios e cautelas parentais.

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