VERSÃO PROSADA DO SONETO
COMEDIMENTO
(Sousa Nunes)
(SOUSA
NUNES, Pres. da Academia Cearense da Língua Portuguesa e prof. do “Centro
Universitário F.B.”, com o Reitor da Instituição, Prof. TALES DE SÁ CAVALCANTE,
Pres. da Academia Cearense de Letras)
À
turba não apraz o moderado.
(Francis
Bacon, 1º Visconde de Alban [Bacon de Verulâmio], intelectual e polímata
inglês. York House, 22.01.1561; Londres, 09.04.1561.
C O M E D I M E N T O
(Vianney Mesquita)
Ânimo de excecional carácter,Condição de afáveis, divas graças,Parêmia a invitar a alma materE à Humanidade conceder prolfaças. O rol de temperanças, entretanto,Deixa de se conglutinar às massas,E ao singular só se ade, porquantoAntrópicos quereres têm mordaças. A prudência nem peja o orbe inteiro,Ininterruptamente lindeiroAos contumazes locais do errado. Segundo Bacon expressou, fagueiro,No adágio conciso e verdadeiro,“À turba não apraz o moderado”.
Análise
Crítica do Soneto Comedimento
A decodificação, para a língua prosa, do soneto decassílabo lusitano Comedimento, de Vianney Mesquita, revela uma meditação ética e filosófica sobre a virtude da temperança, contraposta à tendência humana ao excesso e ao descontrole.
O poema, elaborado no formato clássico dos versos ditos “petrarquianos”, assume um tom que oscila entre o encômio da moderação como valor universal e a crítica à incapacidade das massas de reconhecerem sua importância.
A epígrafe de Francis Bacon – “À turba não apraz o moderado” – funciona como uma cravelha interpretativa, sinalizando que o discurso poético se apoiará na sabedoria proverbial para afirmar que o equilíbrio, embora essencial, é muitas vezes desprezado pela coletividade.
Título
e Tema
título, Comedimento, sintetiza a ideia central das estrofes: a exaltação da temperança, da moderação e do equilíbrio como virtudes humanas raras, especialmente em contraste com a “turba” – metáfora para as multidões impulsivas, avessas ao caminho do meio. A designação indica um elogio à sobriedade, ao “ânimo de excecional carácter”, em oposição ao comportamento desmedido e aos “contumazes locais do errado” em que a maioria insiste em permanecer.
A epígrafe, da lavra de Francis Bacon – “À turba não apraz o moderado” – atua como eixo interpretativo. Funciona como uma sentença filosófica que resume o conflito: as massas raramente apreciam a moderação, preferindo o excesso e o extremismo. Os pés desta versificação, por conseguinte, não se limitam a uma descrição, pois, também, se posicionam em defesa da prudência e da virtude como forças que elevam o espírito humano, mesmo que pouco reconhecidas.
Linguagem
e Estilo
A linguagem empregada pelo polímata palmaciano é marcada por uma dicção erudita e uma sintaxe trabalhada. Palavras como “prolfaças”, “parêmia”, “conglutinar” e “antrópicos” reforçam o alçado tom dos versos e demonstram um compromisso com a riqueza lexical. Esse vocabulário, distante de ser meramente ornamental, sugere um distanciamento deliberado da communis opinio aquele mesmo “da turba” que o poema critica.
O
estilo consolida-se com base numa alternância entre afirmações elogiosas (às
virtudes da moderação) e reflexões críticas (sobre a incapacidade coletiva de
cultivar essas virtudes). O tom é filosófico, quase sentencioso, reforçado pelo
emprego de expressões que evocam ideias universais, como “Humanidade” e “alma
mater”.
Estrutura Argumentativa
O
soneto é dividido em três momentos, seguindo a tradição clássica da
configuração.
Primeiro quarteto. A voz poética enaltece o “ânimo
de excecional carácter” e a “condição de afáveis, divas graças”, associando a
temperança a uma espécie de nobreza espiritual. A menção à “parêmia” – isto é,
aos provérbios ou sentenças morais – sugere que o comedimento é um valor
enraizado na sabedoria tradicional, capaz de beneficiar a humanidade.
Segundo quarteto. Aqui se exprime o contraste: a
moderação não é uma virtude popular, pois “o rol de temperanças [...] deixa de
se conglutinar às massas”. O adjetivo “antrópicos” (relacionado à pessoa
humana) e a ideia de “mordaças” nos “quereres” indicam que a natureza do
Homo sapiens tende à limitação e ao conflito, afastando-se do equilíbrio. A
moderação, assim, é divisada como virtude individual, rara e isolada.
Primeiro terceto. A reflexão expande-se, acentuando que a prudência não “peja o orbe inteiro”, ou seja, não governa o mundo como deveria. A expressão “ininterruptamente lindeiro / aos contumazes locais do errado” sugestiona que a humanidade está sempre à beira do erro, insistindo em caminhos desviados.
Segundo terceto. O fecho do poema retoma a autoridade da epígrafe. A citação de Bacon funciona como chave para a interpretação final: “À turba não apraz o moderado”. O adjetivo “fagueiro” – que implica suavidade e clareza – reforça a concisão e a verdade do adágio. O soneto encerra-se, de tal modo, com uma síntese moral, quase aforística, que ecoa a voz do Filósofo inglês.
Tonalidade Crítica e Filosófica
Esta poesia alterna entre o elogio da moderação e a crítica à coletividade. Ao assinalar que “o rol de temperanças [...] deixa de se conglutinar às massas”, o eu lírico revela um certo pessimismo: as virtudes da prudência e do equilíbrio não são naturais à humanidade, que prefere o excesso, a paixão desmedida e a violência. As estâncias, então, cumprem ofício de denúncia e alerta, ao mesmo tempo em que enaltecem um ideal elevado e quase utópico.
Conclusão
Comedimento é um soneto de constituição formal rigorosa em versos decassílabos e léxico sofisticado, características que reforçam sua função como peça filosófica e reflexiva. O poema estrutura-se como um discurso em defesa da temperança, tomando a epígrafe de Bacon como argumento central: a moderação, embora nobre e necessária, não é popular nem facilmente aceita.
A
vis estrófica está no equilíbrio entre formato e conteúdo: a linguagem
erudita e o ritmo controlado traduzem, em termos poéticos, o mesmo comedimento
que o escrito defende. Assim, a obra se destaca como um exercício de lucidez e
crítica moral, mostrando como a poesia é passível de servir, transpondo arte
estética, também, como instrumento de reflexão ética.
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