domingo, 6 de abril de 2025

ARTIGO - Saudade da Lucidz - Parte 4 (RMR)

 SAUDADES DA LUCIDEZ
Parte 4
 
Rui Martinho Rodrigues*

 

A opinião e o conhecimento válido

Ter opinião é um direito universal. Todos temos e podemos ter opinião, além de podermos expressar e defender nossas elucubrações. Elas não devem ser criminalizadas, sob pena de perdermos a liberdade de consciência. Sucede, todavia, que opiniões são formas puramente subjetivas de apreensão da realidade, independentes dos métodos de validação do conhecimento. São adequadas quando se trate de apreciação predominantemente subjetiva, como dito, quando concernentes a juízo de valor, a exemplo da apreciação da beleza e até no campo das virtudes, mas perdem validade quanto aos de juízos de realidade, de fato ou de existência.

Tales de Mileto (624 a.C. – 546 a.C.) propôs um caminho para o conhecimento válido: a superação da opinião pela crítica. Karl R. Popper (1902 – 1994) dizia que a ciência cresce corrigindo erros. A chamada polarização foi produzida por pretensos demiurgos que querem criar uma nova sociedade como instrumento para produzir um novo homem, substituindo o homem atual, criticando tudo: costumes, organização do Estado, sociedade, economia, crenças e família. Só não admite a crítica de suas teses. Não são conhecimentos válidos, mas opiniões de uma História movida a conflito.

A repulsa à correção e à crítica tem muitas causas. A confusão entre crítica e ataque, agressão, desconsideração e falta de educação; a vaidade de quem supervaloriza suas opiniões; o pensamento segundo o qual errar é desonroso; a conveniência própria do manipulador são algumas dessas causas. Machado de Assis (1839 – 1908), no conto Teoria do medalhão, coloca na boca de um pai, ao orientar o filho no caminho do alpinismo social, o conselho de que fale somente generalidades e platitudes. Assim evitaria o desconforto social. O conto sugere que o dito desconforto é filho da confusão entre contribuição crítica e ataque. E é conveniente. 

Um alemão, professor visitante em uma universidade brasileira, era considerado grosseiro por afirmar sem rodeios que alguma coisa estava errada. Certa vez o tedesco desabafou: havia lido muitas revistas de uma universidade brasileira onde atuava, sem encontrar um só artigo criticando a produção intelectual de um colega. Mas ouvia críticas em conversas particulares. A crítica dirigida diretamente ao colega seria uma contribuição, pois ainda que equivocada daria ensejo a defesa. Quando formulada pelas costas, porém, não passa de maledicência do Macunaíma de Mário de Andrade (1893 – 1945). 

O estrangeiro estava certo. O Macunaíma acha falta de educação o desacordo, mas é maledicente. Reis, nas monarquias parlamentares, adotam o modelo do conto Teoria do medalhão. Evitam comprometer o trono com ideias que possam produzir impacto político. Não deveria ser o caso do irreverente Macunaíma, cujo silêncio obsequioso se relaciona mais com as práticas do estamento burocrático do patrimonialismo descrito por Raymundo Faoro (1925 – 2003), na obra Os donos do poder, cuja base estamental tem, nas relações pessoais lubrificadas pela cumplicidade, sob a camuflagem de lealdade, um dos seus fundamentos.

As relações do estamento burocrático são a base do poder no sistema patrimonialista, criando lealdades entre os que se apropriam dos bens públicos, na forma de silêncio conivente ou de cumplicidade. Todos os brasileiros teriam sido contaminados com as práticas do estamento aludido. Sim, as elites influenciam toda a sociedade. 

Bastou que as tecnologias digitais dessem voz ao povo, quebrando o pacto de silêncio conivente – ou até cúmplice – para que a sociedade se tornasse conflagrada. Agora muitos deploram a morte da figura polêmica do “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Holanda (1902 – 1982), na obra Raízes do Brasil. Outros países, sem a herança de resíduos patrimonialistas também estão conflagrados. Sim, é verdade. Cada   aso demanda uma análise específica. 

O que há de novo na polarização generalizada das sociedades 

Os paradigmas sempre foram incomunicáveis. A falta de comunicação entre eles sempre ensejou perseguições e conflitos. A lucidez sempre teve limitações. Então o que há de novo e do que ter saudades? Sim, nada há de novo sob o sol, Salomão advertiu, em Eclesiastes 1;9. Mas a longa duração não exclui a diacronia. A incomunicabilidade dos paradigmas, entre estudiosos da ciência, como os físicos, tende a sofrer o impacto do que Gaston Bachelard (1884 – 1962) descreveu como obstáculo    epistemológico. Isso levou Max Planck (1858 – 1947) a dizer que a Física só avança quando morre uma geração de físicos. 

Filósofos e principalmente ideólogos sofrem ainda mais fortemente a imunização cognitiva decorrente da cegueira dos paradigmas. A incomunicabilidade e os conflitos ficavam circunscritos aos formados pelos estudiosos das áreas citadas. A população em geral, não sendo impregnada por teorias, não sofre o fenômeno descrito na obra de Luís Gusmão O Fetichismo do Conceito, que interpõe entre o sujeito cognoscente e a realidade. Pessoas comuns eram mais abertas e mais tolerantes do que os estudiosos e militantes porque estavam fora do alcance da vacina de realidade (Thomas Kuhn), livres dos obstáculos epistemológicos (Gaston Bachelard) e do fetichismo do conceito (Luís Gusmão). 

O acesso à informação e o contraditório: esta é resposta ao questionamento sobre qual é a novidade em matéria da polarização. Foi uma abertura permitida pelas tão difamadas redes sociais, que romperam o controle da imprensa comprometida com anúncios, principalmente os dos governos que pagam regiamente e por diferentes meios. 

A tecnologia da informação rompeu o oligopólio de poucas famílias donas de grandes jornais e emissoras de televisão e rádio; superou o monopólio do chamado “lugar de fala” das universidades e escolas, onde doutores nem sempre doutos, com títulos obtidos sob estrita a vigilância corporativa, ideológica e influenciada por relações pessoais, controlavam informações e ideias nem sempre discretamente. 

Não temos notícia de polarização da sociedade na Coreia do Norte e em tantos outros países, mas isso não nos causa admiração por eles. É preferível substituir o controle da censura pelo controle da comunidade exercido graças a liberdade de crítica.

Mentiras, desinformação e o velho conhecido chamado boato são inevitáveis. A censura e as chamadas “agencias de verificação” tem preferências conforme a fonte das inverdades, falácias e sofismas, conforme o interesse argentário, a conveniência do Poder ou da ideologia.

 

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