terça-feira, 9 de janeiro de 2024

CRÔNICA - O Abraço (RV)

 O ABRAÇO
Reginaldo Vasconcelos*




Clodovil Hernandez era um filósofo intuitivo, um estilista de moda feminina que pela maneira fluídica de expressar o pensamento transitou para o comando de programas de TV, e depois para o Parlamento Nacional, “lugares de fala” em que apreciava debulhar suas ideias pessoais sobre a ordem geral das coisas. 

Abordava de forma holística e meio caótica os assuntos que trazia, mas sem jamais confundir libertinagem e liberdade, e sem estabelecer na hipocrisia alguma virtude. Era fêmeo na contingência do destino, mas reverenciava a natural diferença gâmica entre as pessoas, no plano da ética e da moral.

Foi Clodovil – que certa vez entrevistei para o jornal – de quem ouvi pela primeira vez uma consistente reflexão sobre a importância do abraço, quando tratava ele da saudade que sentia de sua mãe adotiva, Isabel Sánchez, a única mulher que ele dizia soubera amar em toda a vida.

Defendia ele que devemos abraçar com constância e sem hesitação os conviventes, porque somos todos mortais, e, dos que nos vão deixando, faltar-nos-ão a fisionomia querida, o timbre da voz afetuosa, as reflexões personalíssimas e preciosas que nos poderiam conceder... mas eles nos faltariam, principalmente, em nosso abraço.

Abraçar, para os povos da América Latina, é gesto corriqueiro entre parentes e amigos, mas não é assim nos EUA e nem nos países da Europa, onde a maior intimidade fisicamente praticada é o aperto de mão. Tampouco na Ásia, em que as pessoas se cumprimentam postando as duas mãos diante do peito ou apenas flexionando o tronco em reverência.

Mas anos atrás, nos meus tempos de ioga, eu tomei conhecimento da existência de minha coetânea indiana do Estado de Kerala, hoje aos 70 anos, conhecida como Amma (mãe), de nome oficial Mātā Amritanandamayī Devi, uma humanista internacionalmente conhecida e respeitada como a “santa do abraço”. Na Índia ela detém o título de “mahatma” (grande alma), o mesmo ostentado pelo Gandhi.

Aos 22 anos de idade Amma criou a instituição religiosa Asharam (proteção), que se agigantou em ações de caridade e projetou a sua fundadora pelo mundo, tendo sido reconhecida pela ONU. 

Foi premiada por entidades caridosas norte-americanas, e notabilizada por doações milionárias da sua congregação às vítimas de um tsunami na Índia, do furacão Katrina, nos EUA, e do tufão Haiyan, nas Filipinas, entre 2004 e 2013. 

Pois bem: Amma entende que Deus mora na singeleza do abraço fraterno, e é abraçando que ela abençoa quantos peregrinam até o seu templo, para receber os seus eflúvios de sapiência transcendental, de bondade, de amor cósmico. 

Ela teve um seguidor brasileiro, em Goiânia, nos tempos psicodélicos e exotéricos dos anos 60/70, um certo Carlos Passini, que se dizia “guru do abraço”, figura logo abraçada pelo esquecimento nacional.

Mas recentemente eu me encantei com a letra frugal de uma canção da banda Jota Quest, de autoria coletiva, intitulada “Dentro de Um Abraço”, que faz uma síntese do que disse Clodovil a respeito, e daquilo que vem pregando há 50 anos a Amma de Kerala, a santa indiana. 



O melhor lugar do mundo / É dentro de um abraço / Pro mais velho ou pro mais novo / Pra alguém apaixonado, alguém medroso / Pro solitário ou pro carente /Dentro de um abraço é sempre quente.


Tudo que a gente sofre / Num abraço se dissolve / Tudo que se espera ou sonha / Num abraço a gente encontra.

 

Na chegada ou na partida / Na manhã de sol ou noite fria / Na tristeza ou na alegria / Tudo que a gente sofre / Na chegada ou na partida / Num abraço se dissolve.

   

Tudo mais já está dito / O melhor lugar do mundo / É dentro de um abraço”.





Um comentário:

  1. Reminiscências que nos remetem a um tempo de grandes esperanças. E muitos experimentos. Hoje anda tudo muito chato e fastidioso. Em especial com essa invencionice do "politicamente correto."

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