quinta-feira, 25 de agosto de 2022

ARTIGO - Conhecimento, Paixão e Popularização - Parte III

 CONHECIMENTO, PAIXÃO
E POLARIZAÇÃO
PARTE III
Rui Martinho Rodrigues* 


A polarização e os ânimos acirrados guardam relação, entre outros fatores, com a confusão semântica. O socialismo proposto pela Sociedade Fabiana, fundada por Hubert Bland (1855 – 1914); Edith Nesbit, 1858 – 1924; Frank Podmore, 1856 – 1910 e outros intelectuais, no século XIX, rejeitava o projeto revolucionário e não pleiteava cargos. O seu grande objetivo era o que no Século XX Mao Tsé-Tung (1893 – 1976), sem aderir e talvez sem ter conhecimento dos fabianos, referiu como conquista de corações e mentes. Significativamente o nome da sociedade era uma homenagem ao general e ditador romano Quinto Fabio Maximo (275 a.C. – 203 a.C.), que ganhava batalhas evitando combates decisivos, preferindo guerrilhas. 

Os fabianos escolheram a guerra cultural. Recomendavam aparelhar as instituições de ensino muito antes de Antonio S. F. Gramsci (1891 – 1937) e de Louis Althusser (1918 – 1990). Chegaram a recomendar até a ressignificação das palavras antes que Ferdinand Saussure (1857 – 1913) explicasse o domínio da compreensão pelo controle da semântica de parte significativa do léxico. O legado dos fabianos foi grandemente fortalecido pelos que vieram depois aqui citados e por muitos outros. Assim, hoje, temos confusão entre indignação cívica e “crime de ódio”, apesar de não haver lei anterior que defina tal crime, como seria se a CF/88, em seu art.5, inc. XXXIX, fosse obedecida. 

Temos confusão entre valores morais (concordemos com eles ou não) e preconceitos, embora o prefixo “pre”, na palavra preconceito, indique um juízo concernente a um objeto antes de conhece-lo, apesar dos valores desqualificados como preconceito terem sido estabelecidos com o conhecimento das condutas valoradas, concordemos ou não com os juízos assim formulados. Confundimos desigualdade com diferença, esquecendo que a primeira tem a conotação de juízo de reprovação e a segunda denota objetivamente realidades distintas, conforme J. D’Assunção Barros (1957 – vivo), na obra “Igualdade e diferença”. Confundimos liberdade de ser com liberdade de agir e fazer, que J. Guilherme Merquior (1941 – 1991) refere, na obra “O Argumento Liberal”. 

A guerra pela mudança artificial da gramática pretende impor a ressignificação de categorias gramaticais, atribuindo, em alguns casos, o sentido de opressão, como resultado de conspiração. O domínio das consciências se faz sub-repticiamente, sem que a vítima perceba que está aceitando uma teoria conspiratória, segundo a qual a norma gramatical é feita para incutir a submissão de algumas parcelas da sociedade. Assim, quem diz “todes”, ao invés de todos, ou sujeitos e sujeitas, pode não saber que foi robotizado. 

A Sociedade foi fundada por intelectuais. A vontade de potência, conforme Friedrich Nietzsche (1844 – 1900). É o desejo demiúrgico de criar uma nova sociedade e por meio dela um novo homem, sem uma ciência nomológica a respeito dos dois objetos que pretendem criar, a despeito dos sucessivos fracassos de suas tentativas. Resulta de um cientificismo equivocado, paixão pelo poder, transtorno de personalidade narcisista e interesse argentário no desfrute do poder. A engenharia social precisaria equacionar um número infinito de fatores e variáveis que Friedrich Auguste von Hayek (1899 – 1992) demonstrou em suas obras (“Erros Fatais do Socialismo”, “Menos Estado Mais Liberdade” e outras), só é possível na ordem espontânea. 

Os intelectuais narcisistas gostam de perguntar: “espelho meu, espelho meu, quem é mais virtuoso do que eu”? Paul B. Johnson (1928 – vivo), na obra “Os intelectuais” apresenta retalhos biográficos de dezenas de grandes pensadores de renome internacional. O autor descreve personalidades deformadas, cujas vidas contraria a retórica virtuosa de todos eles. A história dos intelectuais é uma galeria de hipócritas. Erudição não é atestado de bom caráter, nem mesmo do domínio de conhecimentos consistentes. Intelectual não é alguém estudioso. Um engenheiro nuclear estuda muito. Mas não é intelectual. Thomas Sowell (1930 – vivo) reserva este título aos pensadores que tratam do mundo da abstração, podendo pisar nos astros distraídos, como diria Orestes Barbosa (1893 – 1966). 

Intelectual é quem faz parte da intelligentsia, palavra originada na Rússia, usada para designar grupos de pessoas envolvidas em atividade criativa, empenhadas em movimentos políticos. Seus membros não são superiores, nem do pondo de vista moral e nem mesmo sob o aspecto cognitivo. Candidatos a herdeiros dos filósofos de Platão (428/427 a.C. – 348/347 a.C.) são inimigos do poder que emana do povo, dotado de representatividade. Os instrumentos mais poderosos de que se servem atualmente são as constituições totais, dirigentes, programáticas e principiológicas, com o auxílio da Nova Hermenêutica Constitucional e do controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade. Mas estes aspectos exigem, ainda que em apertada síntese, uma reflexão específica a ser feita oportunamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário