domingo, 14 de fevereiro de 2021

CRÔNICA - A Casa da Praia (AF)

 A Casa da Praia
Altino Farias*

 


Sonhava com um cantinho só nosso e um pedaço de mar a perder de vista. Muitos sonham também. Para isso havia adquirido um terreno na praia há anos, mas as condições financeiras nunca haviam permitido a construção de qualquer benfeitoria que fosse. Mais um ano passado, mais uma vez adiado o sonho. Parecia a linha do horizonte, que se afasta de nós na mesma proporção em que nos aproximamos dela. 

Havia dias em que minha mulher me flagrava na prancheta rabiscando o que seria a casa da praia. Um puxão de orelhas me trazia de volta a realidade das posses restritas e sonhos postergados. “Sonhar não custa nada”, argumentava eu. “Quem sabe um dia...” 

O ramo da construção civil, no qual eu atuava, é cheio de altos e baixos para pequeno empreendedor, meu caso. Num desses altos, separei modesta quantia, e, num ato de pura irresponsabilidade, resolvi construir uma casinha no local. Tomei a decisão sozinho, pois, submetida ao colegiado doméstico, seria voto vencido ante as demandas prioritárias do cotidiano. 

Orçamento e cronograma prontos, escalei pedreiro e servente e mãos à obra. Às terças e sábados corria até a praia, distante setenta quilômetros,  para acompanhar o serviço e suprir necessidades. Bronzeado, minha mulher, intrigada,  perguntava por onde eu andava. “Sou peão de obra e vivo no sol”, respondia desconversando. Mas a pulga continuava atrás de sua orelha. 

Ao cabo de quatro semanas um pretexto mal inventado levou a família completa à praia: eu, minha mulher, filha e filho pequenos. Outra desculpa explicava a carrocinha cheia de tranqueiras que o carro rebocava. Ao chegarmos ao terreno, protesto geral: “Construíram um casa em nosso terreno!”; “Como é que ninguém viu isso?”; “E agora?”.

Em meio ao pânico que se estabeleceu, minha mulher viu Max, o pedreiro que trabalhava para mim, sair da casa, e sorriu aliviada, entendendo de imediato o que se passava. Foi assim que aconteceu, e graças a essa “irresponsabilidade” até hoje nos refugiamos no “Solar Além do Horizonte” para curtir o por do sol, bronzear o corpo todo, ouvir o silêncio, ver o amanhecer, que é lindo...


Nenhum comentário:

Postar um comentário