Treze
anos da ACLJ.
Uma
crônica.
Manoela Queiroz Bacelar*
Cheguei antes das 19h, como combinado. Sapatos pretos de salto alto. Pelerine. Uma ajuda providencial e simpática para o laço do torçal amarelo arrumado ainda no foyer.
Ao centro do salão, bem à frente da assistência, uma mesa menor com três cadeiras, três nomes e três velas para acomodar três mulheres. O fogo parecia atraente. Sentei-me de frente para minha chama, ao lado de uma bela Graça, que seria mais tarde homenageada. Nossa terceira companheira seria Patriciana, cuja ausência comprovava o quanto as mulheres somos demandadas.
A poucos metros da mesa feminina, uma mesa maior, mais alta, mais solene, en face, como se diz no balé. Uma mesa masculina, composta por sete homens com o presidente Reginaldo ao centro, iniciou os trabalhos de uma pauta animada a ser cumprida pelos acadêmicos. Acompanhada por familiares, amigos e convidados a noite teve direito a clarinada com arauto, hino, música, banda em uniforme verde-oliva, fotografias, um telão com projeção audiovisual, vinho do Porto e um coquetel.
A cerimônia foi conduzida pelo confrade Vicente e sua voz bem colocada. Antes das atividades propriamente ditas, um silêncio fraterno pelos irmãos do Sul. Assim acontecia a celebração de treze anos de criação da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo – ACLJ, A palavra foi dada ao confrade Rui que discorreu sobre a delícia do contraditório. Inaugurado na Grécia antiga, o modelo epistemológico do pensamento teorético foge aos achismos tão protagonizados no agora.
Séculos mais
tarde, a estrutura serviu de
base para o método científico e
para a elaboração do pensamento dialético (Hegel e Marx). Tal como uma vigilância das
opiniões, que se
sustenta na coreografia do
diálogo, a dinâmica afasta-se dos
solilóquios herméticos e, portanto, estéreis. No
fundo é uma
com-versa que se coloca aberta,
reflexiva, cheia de escuta atenta e se desloca em contrapontos apresentados por
interlocutores respeitosos que argumentam no lugar de se digladiarem.
Esse
modelo cognitivo busca a
tentativa de se
construir um conhecimento, com
raízes no terreno da argumentação,
da retórica e do discurso contraditório. Constitui a estrutura cognitiva
dominante nos agrupamentos de tradição eurocêntrica, ao lado de outros sistemas válidos e legítimos do
pensamento humano que
forjaram a linguagem em
grupos sociais de
diversas tradições, como, por exemplo, os da oralidade indígena brasileira.
Escutava com
atenção as palavras do
mestre quando me
indaguei sobre a
beleza que seria o encontro das diversas formas do pensar humano e do
benefício que teríamos enquanto espécie no âmbito das nossas habilidades
relacionais, sem falar na potencialização do conhecimento per se produzido pelos diferentes saberes e fazeres.
Passada minha digressão, ative-me à oração do confrade Reginaldo
que se lastimou dos extremismos que caracterizam a oposição pueril de opiniões
erguidas em monólogos muita vez
intransigentes. Ao mesmo
tempo, ressaltou o papel
essencial da ACLJ, concebida como uma arena suíça, neutra, livre da paixão às
posições, receptiva às discussões dialógicas, saudáveis e, por isso,
prazerosas. Ele ratificou a fala de seu antecessor, e, no meio da minha
audição, anotei uma palavra que nunca escrevi: faina. Vou adotar.
Na sequência da pauta, um momento de memória e afeto. Foram
homenageados três confrades que
se transportaram para o
infinito. Um engenheiro, um
médico, um jornalista. Cássio, José
Maria e Wilson, este
último é a
razão pela qual
escrevo esta crônica, pois
fui convidada a
participar da ACLJ por sua intenção.
As falas breves e emocionadas dos confrades Marcos André, Vicente e
Fernando César encheram o salão da saudade que sucedeu o
deleite da apreciação de
um vídeo produzido por
Wilson, num passado recente, sobre os nossos artistas cearenses Fausto Nilo, Fagner,
Ednardo e Belchior.
O ato subsequente foi de júbilo quando tomou posse à cadeira de número 31, o novo confrade Geraldo. Num discurso passional, demonstrou seu grande amor pela esposa e pela filha. Reverenciou seus antepassados e nos revelou a incrível história de seu homônimo pai, que sobreviveu a um naufrágio.
Obedecendo ao
rito de concluir atividades pendentes de
assembleias passadas, a confreira Graça recebeu das
mãos do capitão de
fragata, Daniel Rocha, a
comenda que leva
o nome de Rachel de
Queiroz, a filha
mais amada do
Quixadá, a primeira mulher imortalizada na Academia Brasileira de
Letras, também conhecida como
Rita de Queluz. De
onde Rachel teria inventado esse
mágico pseudônimo?
Por fim, a entrega da comenda chanceler Airton Queiroz a José
Roberto Nogueira foi adiada para uma futura oportunidade em razão de sua
ausência.
Na minha memória, a
trilha sonora da
noite fez-se vívida. A
gravação instrumental da música Oração ao Tempo, do Caetano Veloso, foi ouvida em algum
momento inicial da celebração. Os
treze anos da
ACLJ marcam o
tempo, um tempo, qual
tempo? Enfeitiçada pela melodia
circular, não consegui esquivar-me da poesia, da letra... as palavras, essas
danadas que nos escapam; sempre elas:
(...) E quando eu tiver saído o teu círculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Não serei nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo
(...)
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