segunda-feira, 5 de setembro de 2011

CRÔNICA

O QUE FAZER COM A POESIA

Reginaldo Vasconcelos


A poesia não é de quem faz; a poesia é de quem precisa dela” – diz o carteiro ao poeta, no premiado filme que dramatiza episódio italiano da vida de Pablo Neruda. Vou ao lançamento do duovigésimo livro de poemas do nosso vate maior, Luciano Maia – Claroscuro. 
O POETA LUCIANO E A MUSA ANA
Saboreio a obra, e novamente me deparo com o esfíngico enigma sobre as razões ontológicas da poesia: de novo, perscruto comigo mesmo todos os porquês que envolvem o verso, quanto a sua utilidade.
Concluo inicialmente que a poesia é antes de tudo uma imperiosa necessidade do poeta, cujo estro se impõe como épica missão lírica, que o compele a indômita catarse filosófica. O poeta penetra de repente no onírico ambiente dos sentimentos refinados e precisa traduzir a experiência em especial linguagem sinestésica, que logra perfumar as cores, edulcorar as dores, colorir as sensações.
Perguntado certa vez o que quisera dizer o poeta João Cabral de Melo Neto ao fazer determinada peça poética, de aguda expressão conotativa, ele respondeu serenamente, após alguns segundos de reflexão, que não quisera “dizer”, mas apenas “fazer” aquele poema. Ou seja, na melhor exegese, o exercício da verve criativa, prosaica ou poética, é absolutamente compulsivo, arbitrário, intuitivo, sem qualquer elaboração racional – foi o que timbrou em sua resposta o velho bardo.
Uma vez graficamente registrada, aquela subjetiva aventura estética do poeta é apenas constatada pelo leitor eventual, para depois permanecer em “estado de dicionário” nas estantes e nos arquivos virtuais, até que precise dela algum usuário apaixonado, como aquele ingênuo carteiro do cinema, que assume o poema de Neruda para impressionar a namorada.
Até aqui não se tem ainda um uso próprio, ou uma aplicação ampla e útil para algo tão precioso como o verso – a exemplo de uma jóia de raro lavor em marfim de mamute, em lápis-lazúli egípcio antigo, em dinástico jade chinês, que a pessoa detém no cofre para lobrigar em solitude, sem a poder compartilhar com a humanidade. Então, persiste a dúvida sobre o que fazer para melhor utilizar esse tesouro – se não se o pode transformar em boa música, como fez o compositor Fagner com peças poéticas de renomadas poetisas.
Sim, livros de poesias não são objetos de consumo vulgar, de modo que eles não são encontradiços nas mesas de cabeceira nem nas estantes dos banheiros. Quem queira se precatar dos tédios de viagem, ou preencher o ócio de uma estância de repouso, por exemplo, muita vez se mune de um bom romance, ou de uma coletânea do contos, ou de uma antologia de crônicas, dificilmente de um livro de poemas.
Mas então – eureca! – já sei agora de que forma pode me servir a poesia, e a mim e a quantos, uma vez entregue seja ela ao mundo pela fina inspiração dos menestréis. Assim como o vinho caro, que não se presta a ser preciosamente mantido para sempre em adega fria, pois melhor se destina a ser ritualmente consumido com os amigos em ocasiões especiais, assim também o poema não é feito para o silêncio das estantes. O poema eleito deve ser memorizado e trazido de cor pelo seu melhor consumidor, para de inopino ser recitado no jantar a luz de velas, na roda social, no momento solene das festas, no fecho dos discursos, conforme a cada evento cada versejo se adequar. Minha indagação se resolveu.

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