sexta-feira, 24 de outubro de 2025

CRÔNICA - Uma Batalha Inusitada (MJ)

Uma batalha
inusitada
Maria Josefina*

 

Em uma manhã de início de primavera, após uma noite de chuva e temperatura amena, o sol brilha, e da mangueira, que abriga um condomínio de passarinhos, se ouve uma sinfonia de cantos distintos e harmônicos. 

São dezenas de pássaros vindos de todos os lados, em busca do abrigo na árvore e do alimento fácil que um vizinho do proprietário da mangueira, de nome Leinad, espalha em seu quintal. São farelos de milho e pedaços de frutas que fazem a festa da passarada. 

Diariamente, ao amanhecer e ao entardecer, o quintal se enche destes animados seres, em busca de abastecer a barriguinha. É um momento de deleite assistir, calmamente, a brincadeira de pousar e levantar voo em conjunto, comento e brincando entre si. 

É uma barulheira para quem não conhece a língua passarinhês, cada um com sua entonação e ritmos que se misturam, semelhante ao barulho de um shopping cheio de pessoas conversando. 

É nesse momento que aparece, andando solenemente sobre o muro da casa ao lado, um enorme sagui. Observa todos os lados, para, analisa o ambiente e segue calmamente até uma sacada contígua ao muro. 

De lá observa o quintal, a árvore, como que analisando as possibilidades. Vira-se e grita chamando o restante do bando na língua saguiêz: “Tá limpo. Vamos nessa!”. 

Da casa, no alpendre onde o café é servido, Fina observa o movimento dos saguis. Claro que ela não entende o que falam, mas, mesmo assim, faz sua interpretação dos diálogos. 

Cautelosamente, se aproxima o segundo, depois outro, e outro, um filhote e por fim outros dois, sendo o último um sagui do mesmo porte do primeiro. 

Dá para imaginar a forma de organização destes invasores: o líder, os jovens, o filhote protegido e, por fim, os adultos que garantem a retaguarda. 

Fina grita: “Venham ver! Uma família de sagui!” eram sete, ao todo. Todos da casa saem para ver a cena, e Cila corre para trazer pedaços de bananas e colocá-las sobre a mesa, onde as frutas são dispostas para os passarinhos. Diz ela animadamente: “Aqui, aqui, venham comer!

O sagui líder caminha vagarosamente até o topo do deck e se posiciona dentro da chaminé do forno, chamando, com gritos agudos, os demais.

 

Nesse momento Iram sai correndo e gritando para espantar os saguis: “Não deixe comida para estes pestinhas! Eles são folgados e agressivos. Morro de medo. Se eles se acostumarem, vão invadir a casa”. 

Ela sabe que eles não se limitarão ao quintal, como educadamente se mantêm os passarinhos. Recolhe algumas pedrinhas do quinta e começa a atirar na direção dos saguis, e emitir gritos para espantá-los. 

Rapidamente recolhe os pedaços de bananas colocadas na mesa, o que faz os saguis recuarem.

Eles ficam desnorteados por um instante, mas rapidamente se voltam na direção dos passarinhos, que até então estavam tranquilamente na mangueira. 

Alerta geral. Uma revoada de pássaros, uma correria de saguis na árvore, e se estabelece o campo de batalha. Os saguis tentando pegar os pássaros e estes se organizando para o enfrentamento. 

Rapidamente as rolinhas formam um cerco, sobrevoando em torno dos saguis, como que impedindo possível avanço dos invasores. 

Formaram a linha de defesa enquanto os bem-te-vis subiam e desciam tentando intimidar os saguis, mas sem resultado. Este continuam avançando em busca de caça, no caso, os pássaros. 

Estabelece-se a torcida na casa, todos em favor dos pássaros. Afinal, eles trazem beleza ao amanhecer e ao cair da noite, e já são habitantes de longas datas do espaço. 

De repente os bem-te-vis mudam a estratégia e passam a atacar frontalmente os saguis, exatamente como fazem quando entram em batalha com outros pássaros. Seus voos rasantes e rápidos são semelhantes a um caça em batalha aérea.

Estes movimentos surpreendentes levam os invasores a buscarem abrigo nas partes de baixo dos galhos e fogem para as pontas dos galhos, permitindo seus deslocamentos rápidos para galhos mais seguros. 

O filhote dos saguis foi atacado pelos outros pássaros presentes na batalha, como os João-de-barro, lutando para proteger seus ninhos. Entram na batalha galos capinas, canários, e até um saíra-sete-cores aparece, mais como expectador. 

Os pássaros, com seus piados variados estabelecem uma linguagem que parece ser compreendida por todos, com uma combinação dos movimentos de guerra.

Os saguis invasores, com seus gritos agudos, tentam espantar os inimigos que buscam atingir o filhote, encolhido em um galho mais protegido. 

Este balé bélico durou aproximadamente uns cinco minutos, até o grito do líder dos saguis ser ouvido por sobre a barulheira estabelecida, chamando para a retirada, rumo a uma gravioleira, cujos galhos formavam uma trama bem fechada, protegendo-os do ataque dos pássaros. 

Dalí, se evadiram usando o muro do outro lado da árvore, abandonando o campo de batalha e sumindo nas outras árvores do quintal do vizinho. 

Os bem-te-vis emitiram sons como que anunciando o fim do combate, acompanhado dos demais piados e bater de asas dos pássaros. Vitória sobre os invasores. 

Tudo voltou à normalidade, quando muitos dos pássaros desceram para bicar os farelos de milhos espalhados no quintal, e voando para longe, até o final da tarde, quando voltam para seu jantar diário. 

E assim, foi presenciado por uma plateia vibrante, uma batalha inusitada pela sobrevivência.

 

Praia do Jairy (Olivença-Ba). 28/09/2025


Nenhum comentário:

Postar um comentário