A
CRISE DOS PARTIDOS
Rui Martinho Rodrigues*
1 – Considerações preliminares
As agremiações partidárias, em todo o mundo, vivem uma grave crise. Os nomes tradicionais, como Partido Comunista, Partido socialista, Partido Democrata Cristão ou Partido Liberal estão desgastados e foram, em grande parte, substituídos por nomes que não indicam filiação a nenhuma tradição política. No Brasil temos Novo, Podemos, União Brasil; na Itália Irmãos de Itália, Movimento Cinco Estrelas, Forza Itália; Na Espanha Partido Popular, Vox, Sumar. Os nomes tradicionais ainda existem, mas com o poder de atrair filiados e votos bastante reduzido.
O exercício do poder pelos partidos ligados às tradicionais fórmulas políticas, sociais, econômicas e jurídicas das correntes históricas, não satisfizeram o eleitorado. Fracasso econômico, fracasso no campo da segurança pública, não cumprimento de promessas, corrupção, opressão, indiferenciação quanto ao modo de governar e decepção com líderes explicam o desapontamento com os partidos tradicionais.
2 – A crise das doutrinas
Diferentes fatores interferem na vida das agremiações políticas em suas relações com as sociedades. América Ibérica, como Portugal e Espanha, tiveram a influência do patrimonialismo, com (i) a mistura do patrimônio particular dos integrantes do Poder com a fazenda pública e (ii) pelas lealdades pessoais com a troca de favores entre membros do patriciado como base de sustentação do poder, descritas por Raymundo Faoro (1925 – 2003), na obra Os donos do poder. Por isso a crise dos partidos tornou-se mais nítida nos países em que o patrimonialismo deixou marcas profundas.
Os partidos, no Brasil, eram fracamente ligados às correntes políticas que invocavam em seus nomes. Nos idos do Império, A. Francisco de P. Cavalcanti de Albuquerque (1797 – 1863) já dizia que nada é mais parecido com um “Saquarema” (alusão aos conservadores) do que um “Luzia” (referindo-se aos liberais) no poder. Um ex-deputado cearense, da UDN, disse que a família dele tinha ido para a UDN porque os adversários estavam no PSD, conforme registrei no livro Talvez em nome do povo: uma legitimidade peculiar, feito como tese.
A maioria dos eleitores, inclusive os filiados aos partidos, não sabiam com clareza qual era a doutrina política e social que dava nome aos partidos. Mas, embora não entendendo bem os rótulos, sentiram decepção diante das experiências com o exercício do poder por aqueles que diziam representar as correntes políticas. A decepção com os líderes impactou fortemente nos partidos e nas doutrinas. O personalismo na competição política contribuiu para isso.
Linda Lewin (1942 – 1986), na obra Política e parentela na Paraíba, descreve as relações de parentesco e de amizade como prevalecendo sobre a doutrina alegadamente esposada pelos partidos. É um estudo sobre a Paraíba, com as suas particularidades, focado nos anos anteriores a mil novecentos e trinta. Mas apresenta alguns pontos comuns ao relato do ex-deputado citado por mim em Talvez em nome do povo.
3 – A crise e a nudez da política
Atribuem a Otto von Bismarck (1815 – 1898) a frase segundo a qual as pessoas não deveriam saber como as linguiças e as leis são feitas. De repente, não mais que de repente, como diria o nosso poeta Vinícius de Moraes (1913 – 1980), surgiram as redes sociais. Avanços anteriores nas formas de registro e divulgação de fatos e ideias provocaram grandes abalos. O advento de rádio é considerado por muitos como uma contribuição significativa para o surgimento de uma geração de líderes populistas e autoritários, como Vargas (1882 – 1954); Peron (1895 – 1974); Franco (1892 – 1975); Mussolini (1883 – 1945).
O enciclopedismo e a imprensa já foram relacionados com a Revolução Francesa e um ciclo de revoluções que Eric Hobsbawm (1917 – 2012), deu o nome de A era das revoluções, em uma obra assim intitulada. A era digital, com as redes sociais, não poderia ter um impacto menor do que o rádio, as enciclopédias ou os jornais. Por meio delas o povo passou a saber como se fazem as linguiças e as leis, portanto, com é a dinâmica da política e dos governos. Daí o desejo de censurá-las, para que o povo possa saber como são feitas as linguiças, mas não as leis. Sim, as redes sociais não incomodam tanto pelas mentiras que contam, mas pelas verdades, conforme tem sido dito.
4 – A falta que fazem os partidos
Partidos que não representam as doutrinas sob as quais se escondem. Mas, representam fielmente tradições políticas de péssimos antecedentes. Existem ainda os que não passam do que Linda Lewin nomeou como cooperativas de poder de parentelas ou do que Faoro relacionou com o patrimonialismo. Líderes deploráveis estimulam a revolta contra as agremiações políticas. Surgem então o desejo de votar em pessoas desvinculadas de tais agremiações, deixando-as à margem, achando que não fazem falta.
Sucede que uma sociedade complexa não pode ser governada democraticamente se o povo não se fizer representar por partidos. Os cidadãos não têm propostas para os mais diversos problemas de interesse público, nem são capazes de realizar tais propostas. Quem saberia, solitariamente, formular programas destinados a orientar os setores de políticas sanitárias, de segurança pública, tributos, ambiental, agrícola, salarial e tantas outras? Isso só se faz partindo de uma organização. Outras instituições padecem de corporativismo ou de outras formas de particularismo ou de preparo para tanto.
Os partidos, por sua vez, estão se mostrando incapazes de exercer o papel de legítimos canais de encaminhamento dos interesses e de defesa dos valores da sociedade. Ainda não encontramos uma forma de substitui-los ou os reabilitar. Isso pode ser um grave perigo. Uma crise insanável de legitimidade.
Não faltam propostas de solução que podem
agravar a crise, como candidatura independente, que fragilizaria os partidos,
ao invés recuperá-los. A formação de uma ampla aliança do patriciado reuniria
corruptos, grupos identitários amargurados e vingativos, de braços dados com a
plutocracia e grupos sectários com a violência dos jacobinos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário