segunda-feira, 30 de junho de 2014

ARTIGO (RMR)

PARTICIPAÇÃO POPULAR
Rui Martinho Rodrigues*


A democracia direta é o sonho recorrente dos “esclarecidos”. É promessa de ser sujeito das decisões políticas e dos destinos da pólis. É forma “superior” de organização política. Inoperância, arbítrio, violência e irracionalidade das multidões nas experiências históricas? Tudo isso é esquecido.

Formas tantas vezes fracassadas e abandonadas devem ter sérios problemas, como vulnerabilidade de assembleias à intimidação, à cooptação, ao domínio das claques. Nada disso é lembrado. Consultas plebiscitárias, tão usadas por Hitler e Mussolini, passando ao largo do Legislativo, são havidas como lídima expressão democrática.

Confunde-se a participação em grupos organizados com democracia direta, apesar da rima entre organização e dominação. A eleição de representantes por eleitores solitários, sem a tutela dos vaqueiros da boiada cidadã, é anátema. Os defeitos da democracia direta são evidentes, porque integrantes do mundo real. Comparada à “maravilhosa” democracia direta, imaginária ou dourada pela distância de um passado remoto, a democracia representativa é massacrada.
Assembleias são o paraíso de pelegos e claques. Quando um conselho tenta desenhar um cavalo retrata um camelo. Grande é a competência dos conselhos, quando se trate de paralisar uma administração, multiplicando reuniões e transformando-as num inferno, com agressividade e desrespeito. Conselheiros, ainda que sejam incapazes, são capazes de tudo.

Colegiados formados por dirigentes de organizações da sociedade civil aparelhada são vendidos como democracia direta. Tais líderes, com despudor, se dizem dirigentes. Não são representantes. Logo, a boiada cidadã é dirigida. Cai o mito do cidadão que é sujeito ativo das decisões políticas. A indagação sherlokiana ajuda a compreender o culto à democracia direta e aos conselhos. A quem interessa o crime? Aos vaqueiros da boiada cidadã, com a promessa messiânica de redenção da humanidade.

Mas utopia é matéria para outro artigo.

(Artigo publicado no Jornal O Povo de Fortaleza-Ce - Edição de 30.06.2014)

*Rui Martinho Rodrigues
Professor e Advogado
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10

ARTIGO (VM)

RENASCERLATEJOS INTERIORES *
Vianney Mesquita**

A poesia me quer puro. (Antenor do Nascimento Filho).

Fora de qualquer dúvida, o lançamento de um livro jamais deixou de representar uma festa, como esta de que agora cuido: o batismo da primeira obra e a iniciação literária do seu autor.

E Fortaleza, mais uma vez, anoiteceu jubilosa, coroada de regozijo com essa dúplice iniciação – de Fernando Pereira de Holanda e sua produção inaugural, a que concedeu o insinuante título de Renascer – latejos interiores – mais um livro de boa poética, surdida do recôndito da alma romântica de pessoa simples, mas profundamente aprazível no modo de compor seus versos.
Este volume, de lavra desse servidor teiceirizado da Câmara Municipal de Fortaleza, por mim revisado, teve o mecenato do Prof. Dr. Arnaldo Santos, acadêmico deste Silogeu, o qual delineou escritor e produto, em solenidade ocorrida no interior da citada CMF, em 12.11.2008, há seis anos, portanto.

Custoso é acreditar (sem se ver) na ideia de que, em um mundo árido, de tal modo falto de inspiração, quando, ex-vi das circunstâncias, as pessoas tratam somente da própria sobrevivência, um homem como o senhor Fernando saia do seu labor, da austeridade de sua ambiência de trabalho, a fim de versejar, de cultivar a arte de consoar versos simples, contudo penetrantes, como os que estão expressos neste volume.

O autor estreante amolda-se à ideia refletida pelo literato lisbonense Antônio Feliciano de Castilho (Lisboa, 28.01.1800; 18.06.1875), para quem a poesia, na sua acepção ampla e verdadeira, é a antevisão de muito longe, a ousadia denodada; é cravar olhos no sol dos ideais sem trepidar e ver na espécie humana, tão claramente como o corpo a pedir pão e roupa, um espírito que exige luz, um coração que só de amores se alimenta. (DELLA NINA, A. Dicionário da Sabedoria, 1985 – v. III, p.241).

Fernando anteviu bem distante e, ousadamente, compôs um conjunto de poemas como um espírito ávido por esclarecimento, um coração que, na realidade, é nutrido pelo afeto ao transcendente Deus, aos semelhantes, às criaturas não humanas, enfim, às boas coisas da vida, passíveis de se retratar em poesia.

Conforme, ainda, exprime o médico, professor e escritor portuense Júlio Dinis (Porto, 14.11.1839; 12.09.1871 – 32 anos), célebre compositor de As Pupilas do Senhor Reitor, a poesia necessita de quem a produza e dos que a entendam, no entanto, nem sempre os que a compreendem, tampouco os seus produtores, sabem lê-la (IDEM IBIDEM).

Assim foi que Fernando Pereira de Holanda, como que a confirmar o fecundo inventor de A Morgadinha dos Canaviais, compôs estâncias rimadas e as publicou nesta seleta, com o adjutório de amigos e o aplauso da Câmara Municipal de Fortaleza, franqueados sempre às ideias saudáveis, também no terreno fertílimo das Artes, muito especialmente da obra escrita.

Certamente, Fernando – é o que os leitores esperam – produzirá muitas e mais refinadas rimas, quando evoluir naturalmente de sua condição de estreante e penetrar os meandros da engenhosidade artística que somente a vivência, o trato diuturno e a idade – de conluio com a inteligência – são habilitados a conceder.

Por fim, como já me referi a dois escritores lusitanos, e para não propalarem por aí que me passei de armas e bagagens para Portugal – evoco ao Sr. Fernando a noção de poeta, traduzida na reflexão do brasileiro José Bento Renato Monteiro Lobato (Taubaté, 18.04.1882; São Paulo, 04.07.1948), para quem [...] poeta não é o malabarista engenhoso que acepilha sonetos, embora belos, senão a criatura eleita, que ressoa às mais sutis vibrações ambientes, como se toda ela – corpo e alma – fora uma harpa eólia de cordas vivas [...] Não é retórica a poesia, nem eloquência. É dor. Dor estilizada, dor de amor, dor de saudades, dor de esperanças, dor de ilusões murchas, dor do inexprimível! (OPUS CIT.).

(*Matéria até então inédita, escrita em 12.11.2008, agora reciclada e atualizada para publicação.)

**Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista

RESENHA LITERÁRIA (DAF)

CIÚMES  RETROATIVOS,
TRAIÇÕES  IMAGINÁRIAS OU CHIFRES  QUE O PRÓPRIO PERSONAGEM ATRIBUIU A SI MESMO, NO ROMANCE DO CHILENO JORGE EDWARDS
Durval Aires Filho*

Parto a queima-roupa: que destino você tomaria se o seu melhor amigo tombasse morto e sua mulher, de uma hora para outra, armasse o maior vexame, perdendo as estribeiras, com choros compulsivos, a beira de um ataque de nervos, em lamentos profundos, com visíveis sentimentos provenientes das entranhas, alheios às pessoas, sem a menor cerimônia, desconectada do tempo e do espaço?

Teria dois caminhos distintos a seguir. Primeiro, relegaria a ocorrência a um segundo plano, fingindo desconhecimento, rebaixando o fato como o mais banal possível. A segunda via, a mais rara, recomendaria a investigação do suposto adultério. “Os gestos convencem e a razão desconfia”, diria Carlos Nejar. É essa opção que o escritor chileno Jorge Edwards escolheu para o seu romance “A Origem do Mundo” que a Cosac Naify acabou de publicar e distribuir junto aos leitores brasileiros.

O tema adultério não é original. É comum em velórios de pessoas endinheiradas, a presença de mulheres jovens, as quais mantiveram romances secretos com o extinto, disputando espaços com as legítimas esposas. Existe um farto material sobre o assunto, mas há uma singularidade neste pequeno e grande romance: a forma de narrar, as estratégias desenvolvidas pelo autor, os recursos técnicos em que plasmou a sua ficção de uma maneira insólita e, até despretensiosa, inovadora.

O escritor chileno abre seu romance com uma brincadeira um tanto chistosa, quando o personagem principal reconhece a sua mulher em um quadro indecoroso, exposto no Museu d’Orsay, dada as evidentes semelhanças de pesos e medidas com o óleo retratado. E, ali, se lembra do amigo Felipe Diaz e de sua mania de fotografar amantes nuas em poses obscenas. Isso há uma semana, antes de encontrarem o cadáver desse amigo do casal.

Vivendo há trinta anos harmoniosamente com Sílvia, uma mulher bonita, e vinte anos mais nova, o médico Patrício Illanes apresenta-se como o oposto de Felipe Diaz, um sujeito dado à conquista e sedução. É, como ele, um intelectual latino americano que passou pela religião do comunismo, mas, diferentemente, queda ao alcoolismo, enquanto ele é o cara que se cuida, tem hábitos saudáveis, e se prepara para a velhice estendida e duradoura.

E que faz água no barco existencial desse personagem que no romance absorve as qualidades de elegância?

Por dois orifícios: a idade de Felipe, de sua mulher Sílvia, (ambos mais jovens), geradora do ciúme, e a questão da amizade, posto que o amigo foi classificado como um sujeito sem escrúpulos, mas, ao mesmo tempo, “um bom amigo por vocação”. Como diria o escritor Frederico Pernambucano de Mello: “um amigo intrigante”. Aliás, por este fabuloso personagem, Edwards constrói todas as referências esquerdistas dos anos 60, desde os Congressos dos PCUS, com as quais o amigo traduzia os informes de Kruchev, até as performances de imitação, as observações jocosas, francamente desrespeitosas a Fidel, a quem chamava de “barbeta”, porém, permitidas, dadas a invasão da Tchecoslováquia, e outros fatos que o conduziram para o ceticismo político e a consequente substituição para uma vida amoral, com vícios excessivos, voltados ao álcool, drogas e mulheres, o que representa também o drama dos latino-americanos exilados.

É claro que o médico desconfiava que a sua polidez teria uma cariz rotunda, burocrática demais, extremado ao comportamento debochado do amigo, com certeza, mais sedutor e alegre. Mas o que está envolta dessa curiosa narrativa é a decadência do ser humano, as desilusões esquerdistas, o demônio da vida e da morte, que, por sua vez, levam ao demônio do sexo e do desejo.

Não cabe olvidar que também a própria dissimulação, que é uma espécie de ficção exercida no cotidiano, configura neste romance, um suplemento necessário à existência humana e, por assim dizer, nesta narrativa, resolve os impasses da trama.

O fato é que o peso da idade não encontra paralelo com as aflições mais particulares do médico setentão, mas ele próprio traz a receita de que esses conflitos pessoais perpassam por todas as fases do homem.

Jorge coloca na boca do personagem central: “A pessoa acredita que as obsessões, os ciúmes, os famosos fantasmas eróticos, vão terminar com os anos. Eu pelos menos, aos quarenta, tinha certeza de que terminariam aos cinquenta”. Passando agora, depois dos setenta, por estes transtornos, negativamente conclui: “nem aos oitenta. Nem aos duzentos anos!”.

A opção deliberada do médico parte do princípio de que aquilo que lhe consome é aquilo que lhe arrasta. Antes de colher depoimentos de outros personagens, para comprovar a sua suspeita, -- parcos relatos os quais revelaram inverossímeis e, muitas vezes, movediços e patéticos -- Patrício vai à caça de provas documentais. Penetra no apartamento do saudoso Felipe. Revira correspondências e fotos. Acha uma réplica fotográfica da tela indecorosa de Gustavo Coubert (o quadro do Museu d’Orsay), e debaixo dela, uma fotografia três por quatro de Sílvia. Para ele, essa contemplação da imagem erótica seria a destruição completa de sua felicidade, pois a genitália exposta, embora não se veja o rosto, encoberto por lençóis, é igualzinho a de sua mulher, associando, tormentosamente, as preferências do amigo, pródigo em fotos de amantes, que ele mesmo registrava em suas inúmeras aventuras.

Neste contexto, não é difícil verificar que algumas técnicas mais sofisticadas de narração são aperfeiçoadas por Edwards e, bem assim, tomadas por empréstimo do cinema. Interessante é quando Patrício se apossa da foto de sua mulher, várias projeções são plastificadas ao mesmo tempo. Ele trava, inicialmente, uma peleja consigo, mas penetra, na construção, Silvia e um terceiro personagem, que é ele mesmo, mas em situações ou conjecturas futuras, portanto, em antecipações que não existiram de fato.
  
Vejamos esse curioso e sofisticado recurso. Primeiro, o médico, tomado pela obsessão, com a foto de mulher na mão, diante do espelho iluminado e da possibilidade inquisitorial, lembra de Stálin. Na mesma sequência, permeia a voz de Sílvia, recortado de algum diálogo do passado: “O único que se libertou a tempo foi o Felipe”. E ele complementa: “porque era muito mais cínico do que nós”. Mas o terceiro personagem que não existe, nem fez parte do antigo diálogo, é a sua consciência, que dispara: “Não é verdade. Felipe era mais lúcido, mais independente, menos covarde”.

A primeira cena de abertura deste livro vai se desaguar no último capítulo, mas com pontos de vistas diferentes. Na verdade, cuida-se de uma tortuosa reconstrução, uma brincadeira tola que, se não houvesse o vetor morte, não se tornaria uma sofrida obsessão, transformando-se em algo sério e grave, que permeia toda narrativa, nos capítulos seguintes a morte do incorrigível amigo.

Seria inútil e disparatado infirmar as supostas influências que o escritor chileno tomou de outros escritores, para a tecitura de sua escrita. Não dá para vê Machado de Assis, nem Arthur Doyle, nem Sábato, nem Carpentier, nem Rubem Dário, nem Neruda, nem os “filhos abastados da narrativa de Borges e Júlio Cortázar”, como ele próprio atribui ao amigo Felipe Diaz, autor de uma peça teatral que representou um grande fracasso de público e de crítica.

O que se pode dizer, necessariamente, é que este romance tem a atmosfera momentânea de uma dúvida machadiana. Possui uma rigidez formal, comum aos escritores do leste europeu, e, está recheado de deduções exatas, hauridas dos romances policiais, além de formar uma trama criativamente excepcional, a exemplo dos grandes nomes da literatura latino-americana.

Mas um detalhe importante deve chamar atenção: a fragmentação empreendida por Jorge Edwards, contraditoriamente, tem o condão de unir, de tecer uma prosa concisa, una e compactada, sem que para isso possa escapulir para a descontinuidade da narrativa, ou para o abandono da configuração de personagens autônomos e profundos.

A humanidade de Patrício Illanes, por fim, recomenda que é melhor viver uma tragédia sentimental, do que viver uma vida de morto. Ele corre riscos, mas vive outra vez, como um jovem atormentado e corroído pelo ciúme, mas, ao lado dessa sina, ele é capaz de erguer força e vitalidade. A boa notícia é que, se a arte imita a vida como ela é, neste saboroso romance, a ficção é definitivamente traída pela realidade. Afinal, os segredos, revelados ou não, só enganam a eles mesmos.

 *Durval Aires Filho
Magistrado, Jornalista e Escritor
Membro Honorário da ACLJ

domingo, 29 de junho de 2014

ARTIGO (RMR)

DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS
Rui Martinho Rodrigues*


Abusus non tollit usum (Provérbio latino)



O Direito consagra o princípio da legalidade dos atos administrativos, até que se prove o contrário. As autoridades gozam da prerrogativa da autoexecutoriedade, podendo implementar suas decisões sem precisar de Mandado Judicial. O Poder Executivo tem o instrumento autoritário chamado decreto autônomo (sem autorização dada por lei em sentido estrito), bastando que não onere o erário. Tudo isso representa um voto de confiança dado à administração, por necessidade da governabilidade.

O cidadão gozava, até anos recentes, da presunção de inocência, também na modalidade juris tantum. Ultimamente multiplicaram-se presunções de culpa, de responsabilidade objetiva e outras suspeitas.

A lei da palmada nega aos pais o princípio da presunção de legalidade dos seus atos, dada aos administradores públicos. Também a autoexecutoriedade é negada aos pais. Palmada agora presume-se abusiva. A negação da licitude dos atos dos pais é restrição da presunção de inocência. É desequiparação injusta em face dos agentes do Estado.

Confiança? Só para autoridade estatal. Os pais são autoridade privada. Preconceito ideológico? Talvez. Não se admite, pela nova lei, que o poder discricionário dado aos agentes do Estado seja dado ao comum dos mortais. A “República dos conselhos” (soviets, em russo) não confia nos pais, só nos dirigentes da boiada cidadã, conselhos e assemelhados. O Ministério Público e o judiciário são chamados a tutelar as famílias, sob orientação dos fuxiqueiros de todo tipo.

Agentes do Estado têm o argumento da governabilidade. Famílias não podem se tornar ingovernáveis? Pais cometem abusos contra filhos. E autoridades, jamais abusam de suas prerrogativas? São mais confiáveis que os pais? Ingenuidade ou malícia fazem tal discriminação.

Conclui-se um capítulo da judicialização das relações sociais, que vem se somar à judicialização da política. Sogras, cônjuges em disputa, filhos rebeldes e vizinhos maledicentes têm um prato cheio: denunciar os pais nos conselhos, no MP e onde mais não se sabe. O abuso de medidas do tipo inaudita altera pars, tomada por magistrado sem ouvir a parte contrária, destinada a casos excepcionalíssimos, certamente levará a muita arbitrariedade contra pais dedicados. Não presumo. Constato realidade observável nos casos de violência doméstica ajuizados.

Burocratização das relações na família e insinuação de que os burocratas, ativistas e murmuradores merecem mais confiança do que os pais é a novidade. Destruída a autoridade na escola, os frutos não são bons. Repete-se a experiência na família. O fundamento é o dogma da infalibilidade do diálogo. Criminaliza-se a palmada, sacrificando-a no altar do dogma citado. O judiciário – de agilidade duvidosa – superlotado de processos, resolverá ou agravará os problemas?

O Código Penal enquadra pais (e quaisquer pessoas) que cometam violência criminosa contra filhos. Bastaria aplicá-lo. Mas criar leis dá aparência de virtude. É lição de Maquiavel e antiga prática de fariseus.
*Rui Martinho Rodrigues
Professor e Advogado
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10

sexta-feira, 27 de junho de 2014

CRÍTICA LITERÁRIA (RC)

PERFIL DE UM ESCRITOR (1 de 2)*
Renato Casimiro**

Enquanto lia a mais recente obra do professor Vianney Mesquita – Arquiteto a Posteriori ocorreu-me um sentimento de saudade em torno dos primeiros momentos que vivi nesta mui hermosa ciudad de Nossa Senhora da Assunção. Cheguei aqui há pouco mais de 49 anos, sem parentes importantes e vindo do interior, para que, em anos subsequentes, já me pudesse sentir razoavelmente integrado a este sentimento de cearensidade praiana, do qual emergiria um desfrutado encanto particular pela então exuberância de uma urbe ainda velha na sua cena urbana, o modo particular do Ceará moleque, entre a Praça do Ferreira e seus arredores, bem assim um certo requinte de sua vida intelectual, centrada em grêmios e livrarias, bem como intensa atividade cultural.

Restrinjo-me, especialmente, a esta derradeira menção para consignar o fato de que, sem saudosismos, aquela era uma época em que de fato, vivia o Ceará uma fase esplendorosa de bulício cultural, tanto da juventude universitária quanto da academia literária. Por isto, a manifestar tão diletante gosto, inúmeros nomes de confrarias diversas expressariam em muitos momentos e eventos, a seu gozo pessoal e coletivo no fomento dessas ocorrências, onde o centro, via de regra, era a apresentação formal e sempre solene e ritualístico de novos livros, de mais produções literárias. Recolho, por exemplo, de Braga Montenegro, extraordinário crítico analítico desta fase, num destes momentos, a asserção de que Um dos elos que ligam os homens na ação desinteressada, que ligam os homens pelo coração, pela inteligência e pelo sentimento, será, sem dúvida, a literatura, a poesia. Este sentimento de que nos fala, sem dúvida, é o assemelhado ao que, felizmente, diversos homens de letras do nosso Estado, por exemplo, conduziram a percorrer parte da grandeza de épocas e escolas no fazer intelectual e cultural da província.

Reconheceria, com a passar do tempo, da pessoa de Vianney Mesquita, ao amiudar o conhecimento do intramuros universitário, a presença irrequieta de suas ações professorais e literárias, como destes valores da mais sincera e obrigatória competência para a renovação das velhas tradições intelectuais do Estado.

Almejando conhecê-lo mais amplamente, recorri - malgrado a sinopse econômica de expressões – de Raimundo Girão e Maria da Conceição Sousa, que o registram no Dicionário da Literatura Cearense (1987), exatamente pela proximidade dos seus ainda primeiros passos, para encontrá-lo e reconhecê-lo com sinais evidentes de competência, zelo, dedicação e compromisso vocacionado aos misteres da Literatura e da Comunicação. E nisso, o que vinha – literalmente, me permitam a inocente irreverência, do Pinto do Mesquita (de sua patrilinearidade), já se revelava na vasta produção, de meritória e justa visibilidade e reverência entre o alunado e as academias. De lá para cá, a afluência e a abastança de vária colheita livresca, maturada ao calor de um acolhimento crítico, sincero e generoso de tantos observadores e leitores atentos, consagraram esta inserção do operário impenitente e criativo em meio à cena do maior brilho da intelectualidade do Ceará. E eis como vossa senhoria se encontra, sem maior favor da nossa admiração instalada.

Da sua expressiva produção literária, mais especificamente em livros, iniciada há 30 anos, com Sobre Livros – Aspectos da Editoração Acadêmica, passando por Estudos de Comunicação no Ceará (com Gilmar de Carvalho), Impressões, O Termômetro de McLuhan (com Fátima Portela Cysne), Resgate de Ideias, A Escrita Acadêmica (com Anchieta E. Barreto), Fermento na Massa do Texto, Repertório Transcrito, chegamos a este Arquiteto a Posteriori.

Antes mesmo de lhe dizer algo relevante sobre o que me cabe, não posso deixar de expressar-lhe, professor Vianney Mesquita, que o anterior Fermento na Massa do Texto, de 2001, encarregou-se de guardar a impressão crítica, gentil e sincera, de o primeiro livrinho perpetrado aí pela virada do século, recolhendo apressadamente, de gavetas e arquivos, textos desengonçados, reunidos temerariamente em papel e brochura de má qualidade. Nem assim, pela precariedade do continente, vossa senhoria, em palavras cordiais, deixou de apreciá-lo à sobra de algum valor que o conteúdo encerrava. A brochura Juazeiro é um Mundo, de tão miúda tiragem, ficou até para o folclore da minha terra e das expressões familiares, enquanto, felizmente, o Fermento na Massa do Texto se afirmou como mais uma grande contribuição ao exercício da crítica literária que tanto caracteriza os seus afazeres. Por ele, por este Fermento, um dia, por certo, ainda se saberá que existiu um pretenso autor e seu livrinho, o ufanista Juazeiro é um Mundo, embora não mais se ache nem nas ensebadas prateleiras dos antiquários.
*Antônio Renato Soares de Casimiro
Docente da Universidade Federal do Ceará
Escritor 
Engenheiro químico
Acadêmico Titular da Academia Cearense de Química. 

quinta-feira, 26 de junho de 2014

REPORTAGEM (PBV)

PELOS BARES DA VIDA FAZ 6 ANOS

A vida boêmia é indissociável do meio artístico, do jornalismo, da intelectualidade. Desde o poeta Ovídio, na Roma Antiga, o francês bellepoquiano Toulouse-Lautrec no seu Moulin Rouge, passando por Ernest Hemingway na cubana La Bodeguita, até Vinícius de Morais, que compôs Garota de Ipanema no Bar Veloso, no Rio de Janeiro, boteco chique que hoje tem o nome da canção.


O acadêmico Altino Farias, editor do site e do jornal virtual Pelos Bares da Vida (www.pelosbaresdavida.com.br), é o nosso embaixador no mundo cult de Fortaleza, composto pelas tascas mais frequentadas pelos nossos intelectuais, artistas, jornalistas e pensadores em geral.
Representação da ACLJ

Dentre eles o Bar do Helano, reduto de jornalistas e do compositor Fagner; o Raimundo dos Queijos, ponto de encontro dos cultores do centro histórico da Cidade; o Buraco do Reitor, nas fraldas da Universidade Federal; o Bar Alpendre, no coração da Aldeota.  
Ganha foros de quartel general da saudável boemia de Fortaleza o vetusto Flórida Bar, na Praia de Iracema, vizinho à Livraria do Sérgio Braga, onde se reúne o Clube do Bode, a mais tradicional confraria informal de artistas, escritores e jornalistas cearenses, dentre eles o comediante Falcão, o ex-governador Lúcio Alcântara, o artista plástico Audifax Rios, dentre tantos outros nomes, de ontem e de hoje.

Vale registrar que a equipe do movimento Pelos Bares da Vida, idealizado e liderado pelo engenheiro civil e excelente cronista Altino Farias, é absolutamente familiar, composta de casais, de profissionais bem-sucedidos em suas respectivas áreas, de políticos, de professores, não se compadecendo, portanto, com a ideia de vida irregular, improdutiva e dissoluta que se costuma relacionar com a boemia.

Ilustram esta matéria flagrantes do aniversário de seis anos do Jornal Virtual Pelos Bares da Vida, no último dia 19 de junho, no Flórida Bar. Também foi alvo de homenagem a poetisa Concita Farias, membro da ACLJ, que naquela mesma data cumpriu 84 anos.  

quarta-feira, 25 de junho de 2014

DA HORA - 25/06/14

ENTREVISTA COM DJALMA PINTO


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Nesta, quarta, 25 de junho, no Programa Da Hora, que foi ao ar às 12:30, pela TV União (Canal 21 da Net), Alfredo Marques entrevistou o advogado Djalma Pinto, especialista em Direito Eleitoral – entrevistador e entrevistado membros titulares da ACLJ.

Dr. Djalma pontificou sobre a matéria que domina, e anunciou a publicação de seu último trabalho lítero-jurídico, dentre muitos, este o seu primeiro E-book, o livro virtual denominado Ética na Política, tema que o grande jurista tem transformado na sua maior bandeira ideológica.

Nesta mesma edição do programa Da Hora o apresentador abordou as especulações sobre a iminente aliança eleitoral entre o Senador Eunício Oliveira (PMDB) e o empresário e ex-governador Tasso Jereissati (PSDB), que comporiam a mesma chapa, aquele concorrendo ao Governo do Estado, este último ao Senado Federal.


A dupla, reforçada por Roberto Pessoa como vice de Eunício, deverá abrir palanque no Ceará para o mineiro Aécio Neves, candidato à Presidência da República pelo PSDB.

SEQUÊNCIA POÉTICA

PACTO
Luciano Maia


 Vai, poesia
até os ermos da minha pobre terra...
Dá um abraço de orvalho às madrugadas
poentas do sertão... Dá-lhes alento.
Vai, calmamente pede aos passarinhos
que emudeçam ao menos um momento.
Não mereço a alegria dos seus cantos.

Adentra a noite e o sono dos meus pais
e pede-lhes, por Deus, ainda uma benção.
Beija as suas frontes cheias de saudade.
Diz-lhes que eu aprendi mal a lição
copiada no meu caderno Avante
e até as pedras choram meu destino.

À minha doce mãe, que me perdoe
pelas vezes que a fiz chorar. Por lágrimas
derramadas por seu poeta-menino.
E diz ao meu irmão que não sou puro
como ele sempre quis acreditar.

Que o castigo e o remorso têm morada
em meu desconsolado coração.
Que a saudade me acorda e me golpeia
em meus sonhos de exílios e distâncias.

Diz às minhas pretéritas amantes
que a elas, na verdade, eu nunca amei.
Que só lhes presenteei de despedidas
e que as trai por nada, o inconstante.

Vai, poesia.
À minha dor não tens que regressar.
Nossa aliança agora se desfaz.
Não fazemos, por certo, um belo par.
Não venhas ver-me, amiga, nunca mais.


(Com paráfrase do poema Poste Ludum, de Emil Botta)

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QUE COISA ÉS TU!
Reginaldo Vasconcelos


Olho para ti e não sei o que estou vendo.
Que coisa és tu, além de seres gente?

Ou será que não és gente,
E não sendo, serás santa ou serás súcubo,
Anjo ou demônio,
Querubim ou potestade?

Como afrontas o mundo com esse escudo de cristal, tão frágil, e com essa adaga tão cortante quanto o fio de carbono?

Que confusão te apraz causar, que interesses revolver, com essa beleza de vela e de lareira, de regato e de cascata?

Meu Deus! A beleza é incêndio, é caudal, é catarata.

Que veneno juntas ao açúcar dos teus olhos contra as abelhas do mal e a peçonha das promessas?

Como, dize-me, como te exclamas tanto, nos fazendo interrogar constantemente? Como te afirmas sendo dúvida?

Como pagas à vida a tua dívida de ter nascido assim: bela como filha predileta; meiga como mãe no retratinho?

Como podes ser a um só tempo leão feroz e sutil gazela – falcão da estepe e passarinho da planície?

Como, conta afinal, como se faz para sorver o teu passado e lamber o teu destino.

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PÁTRIA AMADA
Paulo Ximenes 


Tão triste é sentir a pátria amada,
nesse talhão de incúria malfadada,
roçagando, assim, um povo inteiro
a um ermo escuro e traiçoeiro!

E os eleitos, em seus rasos passos,
cerram os punhos e cruzam os braços
beijam – em vão – a sua bandeira
como vissem nela a saga ordeira,
mas só cubam ouro em berço esplêndido
e o tangem em absconso vilipêndio!

Mas se erguerá da lama a mãe tristonha.
Vem Joaquim! Tua alma é pura!
Vem livrar-nos, por Deus, dessa vergonha
que se a água bate, insiste, e fura...
há de morrer, um dia, a dor medonha!

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JUSTIÇA
João Pedro Gurgel

Diante deste arcabouço de palavras
ancorado pela inefável ânsia de justiça
coloco-me diante da beligerância
em destronar verdades postiças.

Ante o crime da falsidade
sem alarde, noticio
pois melhor a dor da verdade
que o torpe benefício arredio.

Se Ártemis me escuta,
saiba que não fujo à labuta,
por mais dura que seja a luta
do caminho do bem.

A Justiça não se faz aquém,
posterga seu olhar no além,
faz-se no céu de um mundo altruísta,
ou nas pobres palavras de um jovem jurista.

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TROCADILHO
Vianney Mesquita


Era um Da Vinci em camafeu de ouro
No juvenil decote de uma dama,
Pois o valido engenho ao tento chama
Um homem interessado no Tesouro.

Ele, insistentemente, examinava
A áurea peça (ou divinal suporte?)
Qual o lúbrico olhar de um consorte
E, encabulada a jovem se quedava.

Eis, pois, que o joão-ninguém não recuou
E, ante seu inaudito estupor,
Conforme não se lhe asava outrora,

Determinadamente perguntou:
- Aprecias a Ceia do Senhor?
- Não. Admiro os seios da senhora!

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VIDA
Vicente Alencar

 

Os caminhos que levam ao coração
são todos libertos e abertos.
Às vezes, quando começam a fechar-se,
a vida começa a se perder.

A lei que rege os destinos
não é a mesma que rege os homens.

Compreender o coração,
a vida e o próprio destino,
somente é possível quando vivemos
amores e dores.

(Publicado no livro POLICROMIAS - 2010 - Vários autores).